A sociedade tem mostrado um crescente interesse pelas fotografias históricas. O pitoresco dos costumes e paisagens do passado, reforçados pelo nostálgico do preto e branco ou do sépia, encantam até mesmo os menos interessados na memória cultural.
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Vista da atual rua Voluntários da Pátria, no centro de Campo Bom. Encontrada no Album Fotográfico lançado na ocasião da elevação a distrito de São Leopoldo, em 1926. (fonte: Acervo digital de Roberto Atkinson/extraído do acervo do memorial do trem)
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A imagem fotográfica histórica, que antes ficava restrita a posse de apenas uma pessoa, hoje é compartilhada por centenas de pessoas, podendo ser acessada pela internet e salva no computador, ou ainda reproduzida em cópias físicas, através de ampliação, quantas vezes for necessário.
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O ônus desta facilidade é o distanciamento entre a imagem fotográfica e a informação sobre sua origem: não raro nos deparamos com fotografias sem qualquer indicação de autoria, datação, ou qualquer informação que possa ajudar a localizar o registro no tempo e espaço.
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Sem o acesso a estas informações, qualquer informação "lida" na imagem será deficiente, e possivelmente equivocada.
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Ao retratar uma sociedade completamente diferente da atual, a imagem fotográfica traz subsídios para muitos questionamentos dos quais pode-se extrair muitas informações interessantes. Mais do que apenas responder perguntas, a fotografia podem trazer novas perguntas, enriquecendo a pesquisa histórica (ou a simples reflexão).
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O mais comum, no entanto, é nos depararmos com conclusões simplórias a respeito do conteúdo das imagens. É celebrado, por exemplo, o "progresso" dos dias atuais, ao se confrontar com a precariedade das estradas ou a pobreza das construções das épocas passadas. Ou então, depreciada a arquitetura contemporânea, em oposto a um tempo onde tudo era "romântico" e a arquitetura supostamente prezava mais a estética.
A fotografia urbana histórica, no entanto, pode mostrar muito mais do que um 'retrato fiel' da cidade no passado ou um comparativo peculiar com a atualidade. Ela fala do que o fotógrafo pretendeu "recortar" da realidade - e no caso de álbuns oficiais ou postais, é ainda possível entender como a cidade queria ser vista em determinada época.
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A ausência de determinados elementos, ou a omissão de alguma característica, também podem ser importantes na hora de interpretar uma fotografia.
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A seguir, uma pequena e despretenciosa análise de um conjunto de imagens históricas do ano de 1926. Importante ressaltar que foco das interpretações pretendidas são derivadas de uma pesquisa relativa exclusivamente à arquitetura e urbanismo da cidade. Não foram procedidas, portanto, maiores análises sociológicas, com exceção das que podem dar suporte ao tema.
Campo Bom e o Album fotográfico comemorativo da emancipação (1926)*
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*este trecho é resumo de um capítulo da pesquisa de iniciação científica do autor, em andamento, que aborda a arquitetura da cidade de Campo Bom através das décadas.
Até o ano de 1926, a Vila de Campo Bom carecia de autonomia administrativa, sendo subordinada ao distrito de Novo Hamburgo. Considerando a eminente emancipação deste distrito, que de fato se concretizaria um ano depois, a intendência de São Leopoldo entendeu que deveria elevar Campo Bom a 10º Distrito de São Leopoldo, evitando assim que se viesse a perder mais território. Para comemorar esta elevação a distrito, o fotógrafo porto-alegrense Max Milian teria sido convidado a elaborar um álbum, que foi denominado “Album Photographico de Campo Bom”.
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Capa do Album Fotográfico lançado na ocasião da elevação a distrito de São Leopoldo, em 1926. (fonte: Acervo digital de Roberto Atkinson/extraído do acervo do memorial do trem).
No conjunto de imagens percebe-se a clara a intenção, por parte do fotógrafo, de retratar um lugarejo pequeno, mas em acelerada expansão comercial e industrial. Esta ambivalência é explorada no álbum: sua capa retrata uma pequena casa eclética típica; imersa em meio a mata nativa, em oposição ao restante do ensaio, onde verificamos uma sucessão de casarões e prédios industriais, em áreas semi-urbanizadas. Podemos fazer uma analogia que compara a pequena casa (representando a vila de Campo Bom) e a floresta ainda virgem (simbolizando as grandes extensões de matas nativas ainda existentes na época, no meio das quais Campo Bom se localizava), visto que foi escolhida como capa do álbum.
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Abre o álbum a imagem das autoridades, sub-intendente, chefe, juiz e escrivão. É curiosa a inclusão dos dois professores então atuantes, Helmut Cullmann representando a escola evangélica e a única mulher retratada, a professora Maria Zeiss representando a escola “pública”.
A inclusão dos professores, e das duas fotos posteriores abrangendo o grupo dos alunos de ambas as instituições, parece ter a intenção de desmistificar o “isolamento sócio-cultural” das colônias alemãs, então muito criticado. A superioridade numérica da escola pública, que tinha como característica o ensino da língua nacional, reforça essa imagem de inclusão na vida social brasileira.
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Escola Evangélica e Escola Pública dee Campo Bom. Encontrada no Album Fotográfico lançado na ocasião da elevação a distrito de São Leopoldo, em 1926. (fonte: Acervo digital de Roberto Atkinson/extraído do acervo do memorial do trem).
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Em seguida, o álbum traz uma série de imagens urbanas do município. Apesar da visível busca pelas áreas de maior densidade de construções, não foi possível evitar o forte contraponto entre essas construções novas, em estilo eclético e de caráter muito erudito, com a falta de estrutura urbana e precariedade das vias. Fica também evidente a quantidade de espaços vazios, mesmo nas principais ruas da localidade).
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É apresentada então uma imagem individual do “Curtume e Fábrica de Calçados Vetter e Cia”. A foto certamente foi estratégica, com intenção de surpreender os que pouco esperavam de um lugarejo tão pequeno, e também como forma exacerbar a importância da indústria. O fotógrafo afasta-se da edificação e obtém um ângulo lateral, que exibe tanto a imponente fachada frontal, quanto toda a extensão lateral do prédio. É clara a pretensão de demonstrar a grandeza do prédio (e da própria atividade industrial) brotando no seio de uma comunidade que até então sequer havia sido elevada a distrito.
Vista da Fábrica de Calçados Irmãos Vetter, no centro de Campo Bom. Encontrada no Album Fotográfico lançado na ocasião da elevação a distrito de São Leopoldo, em 1926. (fonte: Acervo digital de Roberto Atkinson/extraído do acervo do memorial do trem). Ao lado, uma vista atual, onde vemos a fachada 'restaurada', com demolição de todo corpo da edificação (Jorge Luís Stocker Jr/2009)
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Outros prédios industriais são mostrados ao longo do álbum, todos com a mesma preocupação de retratar a “totalidade” da edificação, em uma busca por vistas quase isométricas. São apresentadas as fábricas de W. Korndoerfer e Cia (prédio ainda existente e bastante desfigurado), a fábrica de louças e barro de F. & M. Blos (idem), entre outras.
Também a contrastar com a pequenez do lugarejo, é apresentada uma fotografia da Sociedade Concórdia (hoje XV de Novembro). O fotógrafo novamente evita uma vista frontal.
Villa Ida, Solar dos Leões e Casa de Felipe Blos, no centro Campo Bom, retratadas no Album Fotográfico lançado na ocasião da elevação a distrito de São Leopoldo, em 1926. (fonte: Acervo digital de Roberto Atkinson/extraído do acervo do memorial do trem). A primeira foi demolida na década de 90, após realização do Inventário, a segunda, já bastante modificada, foi demolida em 2009. A casa de Felipe Blos, com algumas modificações, ainda resiste na Avenida Brasil.
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O álbum continua, apresentando as mais importantes edificações então existentes na cidade. Continua, mesmo nas residências, a recorrência das vistas laterais, desta vez ressaltando a opulência dos elementos decorativos e das saliências e reentrâncias existentes nos palacetes ecléticos. Destacam-se a Villa Ida (e seu forte caráter germânico), o Solar dos Leões de Emílio Vetter e a Villa de Felipe Blos, todas as três ostentando balaustradas delimitando o espaço público e privado, e evocando um ar mais “urbano” do que rural, pretendido na época. Este é outro forte contraponto às precárias estradas de chão batido de uma localidade até então muito ligada ao mundo colonial.
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Também em oposição a grandiosidade das construções apresentadas individualmente nestas imagens, o álbum traz algumas poucas vistas gerais, tomadas do alto dos morros que circundam a área central de Campo Bom. Nestas, vemos que Campo Bom, apesar da imagem progressista cuidadosamente construída pelas imagens anteriores, ainda não passava de um tímido vilarejo em meio ao campo, onde se destacava apenas a grandiosidade dos prédios da Sociedade Concórdia e da Fábrica dos Vetter.
Uma das vistas gerais retratadas no Album Fotográfico lançado na ocasião da elevação a distrito de São Leopoldo, em 1926. (fonte: Acervo digital de Roberto Atkinson/extraído do acervo do memorial do trem). Destaca-se, no lado direito, a grandiosidade do prédio da Sociedade Concórdia.
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Nestas vistas gerais, e apenas nelas, poderemos distinguir algumas das construções mais antigas da localidade, vernaculares. São as casas enxaimel, ou as casinhas de alvenaria com influência luso-brasileira. Extremamente ligadas a um “passado colonial”, de dificuldades e escassez de recursos, não foram consideradas propícias a representar a nova realidade daquela comunidade. Os únicos prédios retratados que remetem a este passado colonial, são aqueles que até então conservavam sua importância social: a Escola e a Igreja Evangélica, que aliás, representam o extrato do que de mais simples é retratado neste álbum (e ousamos dizer, do que mais correspondia à realidade imediata da época, se considerarmos o que vemos nas vistas gerais. A ambientação colonial só seria completamente varrida a partir dos anos 40-50).
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A escola evangélica, edificação mais modesta retratada Album Fotográfico lançado na ocasião da elevação a distrito de São Leopoldo, em 1926. (fonte: Acervo digital de Roberto Atkinson/extraído do acervo do memorial do trem). O provável motivo de sua inclusão, é a importância social que desempenhava. Seu aspecto contraria, em partes, a imagem de cidade moderna construída ao longo do album.
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Nem mesmo como curiosidade cultural ou histórica, comparecem as dezenas exemplares de enxaimel então existentes na cidade. Considerados “prédios precários”, frutos de tempos difíceis, jamais serviriam para forjar a imagem que agora se pretendia ‘vender’: um lugarejo em espantosa ascensão econômica.
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Esta imagem de prosperidade e progresso seria cultivada e ultrapassaria as décadas, se mantendo até os dias atuais.
Texto: Jorge Luís Stocker Junior - acadêmico de Arquitetura e Urbanismo
#Agradecemos especialmente ao amigo Roberto Atkinson, do grupo Pró-memória de Campo Bom, pelo generoso compartilhamento do material histórico digitalizado que possui em seu acervo particular. Sem este apoio, a coleta de dados da pesquisa de iniciação científica seria muito mais difícil, e em muitas etapas, inviável. Obrigado e conte conosco também!
Leia também:
#Livro: Testemunha Ocular - História e Imagem. Peter Burke.
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