A casa em processo de tombamento demolida na última semana em Nova Hartz. Apesar de bastante modificada, era uma das últimas da malha urbana, o que justificava a importância de sua manutenção. (foto: Elis Regina Berndt / 2009)
O Patrimônio Histórico e Cultural curiosamente não integra a pauta diária das cidades do Vale do Sinos, Encosta da Serra e Paranhana. O caso é no mínimo estranho, considerando que suas antigas colônias abrigam um patrimônio riquíssimo e insubstituível, legado pela imigração alemã. São casas em técnica enxaimel, com peculiaridades que as tornam únicas em todo mundo; moinhos e atafonas, entre outras tipologias típicas locais. Tais edificações são suporte para a cultura imaterial composta pelo dialeto hunsrückisch, a culinária entre outros costumes passados de geração em geração.
No entanto, as iniciativas pela preservação deste patrimônio são pontuais e ineficientes, e encontram forte oposição popular. A velha discussão “pra quê preservar” ainda é constantemente repetida, num círculo vicioso interminável, e ignorando que a preservação do patrimônio cultural já é definido como uma obrigação dos poderes públicos colaborando com a sociedade desde a constituição de 1988. No Rio Grande do Sul, ainda existe disposição mais direcionada na Constituição Estadual. Essas discussões “chovem no molhado”, criam intrigas desnecessárias e equivalem a promover discussões intermináveis e seminários para conscientização da sociedade de que é errado matar, roubar, demonstrando longamente os motivos pelos quais essas agressões não devem ser cometidas.
A importância do patrimônio cultural é embasada num panorama amplo, tomando partido de conceitos de diferentes áreas. Existe o “direito” ao patrimônio cultural, que está incluído no mesmo direito ao meio ambiente, que é direito coletivo e difuso, típico da área judicial, e devidamente embasado na Constituição e nas leis promulgadas. Existe a importância sociológica do patrimônio cultural, como elemento que assegura a “identidade” cultural de determinados povos e locais. A importância social, porque portador de memórias coletivas. A importância “histórica” do patrimônio como documento e acesso ao passado, e que também se relaciona com a importância desta materialidade para o conhecimento da história da arquitetura. A relevância do patrimônio para o planejamento urbano, como estruturador de uma paisagem urbana dotada de significados e valores. A importância turística, justamente por ser o patrimônio portador de tantos valores e peculiaridades que, em conjunto com a paisagem natural, definem cada lugar como um espaço único. São muitos outros. Este conjunto de valores tão plurais talvez constituam num raciocínio muito sofisticado para um primeiro momento, e se perde na visão imediatista tão em voga, ficando inclusive escanteado nas discussões em geral.
Antigas atafonas como esta de Arroio da Bica, em Nova Hartz, correm sério risco de demolição caso se concretize a desmoralização do Plano Diretor - o que ocorrerá se não forem cumpridas as sanções previstas para demolições ilegais. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2009)
Apesar da consagrada e reconhecida importância do tema para a própria qualidade de vida, praticamente todas as energias (e recursos) ainda são gastas no sentido de discussão e convencimento a respeito da preservação. Agrava o fato que este discurso normalmente é focado apenas no lado emocional e na importância da manutenção da memória dos antepassados, de valores afetivos, etc. Numa sociedade de consumo, onde quem (des)educa continuamente é uma mídia voltada para a publicidade e para o imediatismo, é evidente que um conceito tão metafórico dificilmente encontre espaço.
Tantas energias despendidas poderiam ser gastas numa discussão mais adequada ao momento atual: o problema da conservação do patrimônio cultural, das políticas de patrimônio, das ações que podem trazer benefícios à coletividade. Afinal, já fazem muitas décadas que felizmente o País optou pela preservação do seu patrimônio, sendo inclusive signatário de inúmeras convenções internacionais e aplicando conceitos dessas em suas leis e portarias dos institutos competentes.
Assim, as energias desperdiçadas numa discussão inglória contra um mercado que obviamente quer o lucro absoluto acima de tudo (luta perdida, diga-se de passagem), pode se focar o raciocínio no problema real que se apresenta – encontrar os meios para a conservação dos prédios, benefícios e motivações para os proprietários que os mantiverem em boas condições, diretrizes para intervenções e reciclagem de prédios históricos para novos usos, formas de incluir o patrimônio no futuro da cidade. Afinal, vivemos numa sociedade baseada no pacto constitucional, e esta Constituição relativiza os direitos da propriedade privada à sua função social; e sendo o patrimônio cultural uma celebrada função social constante na mesma Constituição, qualquer discussão contrária à manutenção do patrimônio estará escapando do campo real e entrando numa sucessão de embates intermináveis entre gostos e vontades particulares, que em nada contribuem com o bem estar coletivo e com o interesse público.
Um dos principais problemas que temos em mãos é criar instrumentos eficientes para declaração do patrimônio cultural como tal, de forma oficial, instituindo as punições e os benefícios relacionados a estas edificações. Antes de tudo, que o planejamento urbano que consiga suprir as necessidades e demandas do futuro, valorizando o legado pretérito. Projetar o futuro dos conjuntos históricos e dos bens isolados, potencializando ao máximo sua manutenção, para que possa trazer benefícios sociais, à paisagem urbana, ao turismo e à cultura de cada município. Uma educação patrimonial que não perca tempo ensinando o porquê preservar, mas sim que ensine a problematizar o papel da sociedade e sua relação com o patrimônio, e a enxergar com os próprios olhos estes valores.
Tantas energias despendidas poderiam ser gastas numa discussão mais adequada ao momento atual: o problema da conservação do patrimônio cultural, das políticas de patrimônio, das ações que podem trazer benefícios à coletividade. Afinal, já fazem muitas décadas que felizmente o País optou pela preservação do seu patrimônio, sendo inclusive signatário de inúmeras convenções internacionais e aplicando conceitos dessas em suas leis e portarias dos institutos competentes.
Assim, as energias desperdiçadas numa discussão inglória contra um mercado que obviamente quer o lucro absoluto acima de tudo (luta perdida, diga-se de passagem), pode se focar o raciocínio no problema real que se apresenta – encontrar os meios para a conservação dos prédios, benefícios e motivações para os proprietários que os mantiverem em boas condições, diretrizes para intervenções e reciclagem de prédios históricos para novos usos, formas de incluir o patrimônio no futuro da cidade. Afinal, vivemos numa sociedade baseada no pacto constitucional, e esta Constituição relativiza os direitos da propriedade privada à sua função social; e sendo o patrimônio cultural uma celebrada função social constante na mesma Constituição, qualquer discussão contrária à manutenção do patrimônio estará escapando do campo real e entrando numa sucessão de embates intermináveis entre gostos e vontades particulares, que em nada contribuem com o bem estar coletivo e com o interesse público.
Um dos principais problemas que temos em mãos é criar instrumentos eficientes para declaração do patrimônio cultural como tal, de forma oficial, instituindo as punições e os benefícios relacionados a estas edificações. Antes de tudo, que o planejamento urbano que consiga suprir as necessidades e demandas do futuro, valorizando o legado pretérito. Projetar o futuro dos conjuntos históricos e dos bens isolados, potencializando ao máximo sua manutenção, para que possa trazer benefícios sociais, à paisagem urbana, ao turismo e à cultura de cada município. Uma educação patrimonial que não perca tempo ensinando o porquê preservar, mas sim que ensine a problematizar o papel da sociedade e sua relação com o patrimônio, e a enxergar com os próprios olhos estes valores.
Conjunto histórico do Moinho Henkel do Arroio da Bica, em Nova Hartz (RS) (foto: Jorge Luís Stocker Jr/2011)
Os municípios do Vale do Sinos e o Paranhana precisam acordar para o legado ímpar que receberam e que, erradicado, pode vir a transformar a região num mero “espaço”, onde as pessoas vivem porque ali trabalham e necessitam, mas não porque se identificam. Não podemos chegar ao ponto de uma vida social sem significado e que prenuncia a morte do espaço urbano.
Não é novidade pra ninguém que normalmente o poder público é omisso nestas situações. Nestes casos quem deve tomar as rédeas é a própria sociedade - nós. Organizados, podemos cobrar dos órgãos responsáveis ou ainda agir por conta própria, atuando diretamente nas comunidades. Os maiores bons exemplos dos vales vem deste tipo de movimentação: tombamento da Casa Schmitt-Presser, em Hamburgo Velho, da Ponte de Ferro em São Leopoldo e do prédio da ACIT em Taquara, todas movimentações da sociedade articulada e conhecedora de seus direitos. Mas não podemos esquecer que essa “vanguarda” conquistou esses tombamentos há mais de 20 anos, e desde então, assistimos de forma passiva e em silêncio uma série de manifestações de descaso. A melhor educação patrimonial e meio de convencimento da população é por em prática a valorização do patrimônio cultural. É hora de trazer o assunto à pauta diária, não perder tempo com o “por quê preservar”, mas focar no problema legítimo: como e para quem preservar?
Jorge Luís Stocker Jr.
Leia também:
- Reportagem do Jornal NH Virtual sobre a demolição em Nova Hartz.
- Plano Diretor de Nova Hartz.
- Mapa de interesse cultural onde a casa é listada.
Leia também:
- Reportagem do Jornal NH Virtual sobre a demolição em Nova Hartz.
- Plano Diretor de Nova Hartz.
- Mapa de interesse cultural onde a casa é listada.