A grande repercussão dos questionamentos envolvendo a obra de restauração da Ponte de Pedra deve-se menos aos supostos equívocos técnicos da obra, e mais aos nítidos equívocos da política de preservação do patrimônio cultural de Porto Alegre.
Fonte imagem: Clic RBS
A Constituição Federal coloca a comunidade ao lado dos poderes públicos, como co-responsáveis pela preservação. Presume-se a população não como espectadora passiva, contemplada em seus direitos com a inauguração de obras com as quais deve se contentar. A população deve ter espaço para ser provocadora e partícipe de todo o processo.
O projeto de restauração da Ponte de Pedra, desde a motivação até sua execução, foi gestado em escritórios e gabinetes. Não houve nem um esboço de processo participativo, educativo ou de envolvimento. Uma restauração deveria ser pretexto para reatar ou reforçar os laços entre a população e o bem cultural em que se intervém. Inclusive, formando os agentes comunitários que poderão atuar no dia-a-dia, zelando por sua conservação.
Quando ao contrário, se fecha tapumes ao redor da obra e se nega o diálogo ou informação, o resultado simples é a comunidade apreensiva com o que está se fazendo lá dentro. E isso deve ser interpretado como um bom sinal, de que ao contrário do que versa o senso comum, a comunidade se importa com os prédios históricos. Sendo patrimônio cultural é identidade de um povo, como gostamos de repetir, não podemos imaginar que este assista apático a uma cirurgia de grande gravidade sendo executada à sua revelia.
Entender uma obra de restauro como um fim em si, e não como parte de um processo, jé uma atitude que já mostrou-se equivocada em inúmeras outras oportunidades. Quando o poder público apenas investe em uma restauração, em poucos meses o local encontra-se novamente danificado e vandalizado e do investimento feito, pouco ou nada se aproveita. Preserva-se a materialidade sem preocupar-se com o seu significado social.
Há, certamente, respostas técnicas às dúvidas e críticas que foram expostas por leigos. Boa parte destes mau entendidos poderiam ter sido resolvidos simplesmente com informações periódicas sobre o andamento das obras, publicadas na internet. Quanto a qualidade da restauração, acredito que só seja possível discutir tendo informações que não são no momento públicas. Reforçando que há subjetividades no tema que tornam qualquer decisão passível de discussão e questionamento.
Nós, "do lado de fora do tapume", no momento podemos apenas desejar que o bem seja preservado da melhor forma possível - e que esse processo vertical da política de patrimônio se reverta e se horizontalize no futuro...
Foto: Jorge Nunes