Hoje parece distante, mas houve um tempo em que para veranear no litoral gaúcho, as pessoas não se trancavam em condomínios fechados de gosto duvidoso.
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Imbé (RS), município cuja área já pertenceu à Tramandaí, teve sua área loteada muito mais tarde do que sua cidade-mãe. Ao contrário desta, que se originou de povoamento açoriano, Imbé surge de fato apenas quando o veraneio nas praias gaúchas começa a se tornar mais acessível para as classes média e média-alta.
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O loteamento inicial de Imbé, com as ruas curvas, em imagem publicada em jornais da época, e em vista extraída do Google Earth.
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No início anos 30, a área central de Imbé ainda encontrava-se praticamente desocupada, tendo sido adquirida e rapidamente loteada. O projeto urbanístico ficou por conta do engenheiro-arquiteto Ubatuba de Faria, que buscou aplicar o conceito de cidade-jardim. A disposição das ruas em curvas e círculos concêntricos, e a criação de eixos principais arborizados, denotam a busca por um traçado diferenciado e “moderno”.
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Ilustrando as contradições daquela época, marcada pela oposição modernidade X tradição, encontramos na área central de Imbé projetos representativos de ambos os posicionamentos teóricos.
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Enquanto nas obras de caráter público, como o próprio traçado urbano, a sede da SAPI, Matriz católica e prédios da CORSAN prevalece uma linguagem bastante afinada com o modernismo, com aplicação de concreto armado, brise-soleil, coberturas planas e outros elementos; nas casas de veraneio particulares prevalece a evocação de ares medievais ou alpinos, num estilo que lembra muito os chalés gramadenses da mesma época. Mesmo os jardins apresentam esta afinidade, com canteiros repletos das hortênsias que simbolizam a serra gaúcha até hoje.
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Exemplares de casas com inspiração medieval, construídas em pedra. Ilustra a oposição entre as ideias modernas do traçado urbano, com a produção arquitetônica da época, grande parte ainda baseada em modelos históricos. (fotos: Jorge Luís Stocker Jr/2010)
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Caminhar pelas ruas do loteamento inicial, é conhecer um percurso charmoso e cheio de surpresas. O clima dos anos 50 prevalece, apesar da intensa especulação imobiliária que recai sobre o local e que nos permite, estupefatos, contabilizar várias “muretas neo-medievais” ou neo-coloniais já desprovidas da respectiva casa – e também novos e enormes muros sem diálogo algum com o charme do local.
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Muro de casinha neo-colonial/estilo missões, já demolida; e um muro recente que desfigura o conceito de cidade-jardim e encerra qualquer diálogo possível com o espaço urbano. Fotos: Jorge Luís Stocker Jr./2010
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As casas de pedra, apesar da falta de contexto, destacam-se pela aplicação competente da técnica construtiva, utilizando pedras inteiras como elemento estrutural, e não apenas decorativo. Grandes vãos são vencidos com arcos e sem o uso de concreto armado.
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Dois exemplares de chalés de madeira, de diferentes épocas, ainda conservados. O primeiro com lambrequim, e o segundo, com a inscrição denominando-o Villa Iara. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2010)
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Ainda contabiliza-se dezenas de casinhas de madeira, algumas dotadas de preciosos lambrequins. Muitas sofrem do envelhecimento e falta de manutenção. Embora existam chalés exemplarmente bem conservados, é fácil perceber que este precioso conjunto, não reconhecido como tal por nenhum órgão oficial e nem mesmo pela população e veranistas, extingue-se às claras, juntamente com o conceito que deu origem ao traçado urbano.
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Igreja Nossa Senhora de Fátima, com sua torre desfigurada. (foto: Jorge Luís Stocker Jr/2010)
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A Igreja de Nossa Senhora de Fátima, datada do início dos anos 60, parece ter se originado de um projeto modernista de boa qualidade plástica, embora não nos conste quem seja o autor. Lamentavelmente, percebe-se uma intervenção sensível na torre, com fechamento de um grande vão, supressão da cruz em alto relevo e uso de basculantes. Tal modificação tornou a torre desprovida de articulação volumétrica, trazendo grande prejuízo à percepção da importância arquitetônica da igreja e do próprio eixo visual onde está inserida.
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A Sede da SAPI – Sociedade Amigos da Praia de Imbé
Já a sede da SAPI – Sociedade Amigos da Praia de Imbé – é sem dúvidas um dos projetos mais interessantes e marcantes do modernismo gaúcho. Apesar da atual decadência e da introdução de elementos estranhos ao projeto original, ainda é possível visualizar e reconhecer as acertadas decisões arquitetônicas e a dignidade, que somente a boa arquitetura conserva frente ao quase abandono.
Construído no início dos anos 50, o projeto é assinado pelo arquiteto Luís Fernando Corona, co-autor do Palácio da Justiça, do edifício Jaguaribe e de muitas casas modernistas, na cidade de Porto Alegre. O projeto foi selecionado em um concurso nacional, promovido pelo IAB, e a obra infelizmente acabou sendo concretizada com muitas adaptações e modificações no programa de necessidades, desfigurando o conceito original.
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Letreiro e o volume instável da entrada principal da sede da SAPI, em Imbé. (fotos: Jorge Luís Stocker Jr./2010)
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Vemos uma linguagem de vertente modernista, com uso do concreto armado, curvas, brise soleils fixos na fachada oeste, cobertura plana, entre outros. A qualidade do projeto chama atenção: apesar das pequenas e reconhecíveis intervenções, percebe-se os espaços bem articulados, interiores riquíssimos, que trazem uma sensação espacial dificilmente experimentada em prédios deste caráter.
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É possível perceber no projeto algum resquício de uma linguagem modernizante art-decó, apesar de estarem bastante diluídas no conteúdo diretamente influenciado pelo modernismo brasileiro a lá Oscar Niemeyer e Lúcio Costa.
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Dois aspectos externos do prédio da SAPI: A articulação de volumes na fachada sul e o uso de brise-soleil fixo de concreto na fachada oeste. (fotos: Jorge Luís Stocker Jr./2010)
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O prédio é construído em pedra grês (não nos consta se fora sempre pintada de branco como está, ou se originalmente apresentava-se nua); havendo elementos estruturais de concreto armado revestidos com pastilhas cerâmicas verdes quase irregulares, e que lembram muito o trabalho artístico do pai do arquiteto; Fernando Corona.
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Na antiga entrada principal, ainda sobrevive o letreiro em caracteres modernistas típicos da época. Um anexo, gerado por uma adição posterior no programa de necessidades, acaba desfigurando a principal visual que se obteria a partir da rua, impossibilitando a visualização do volume cilíndrico conjunta com o volume da entrada principal.
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Entrando na edificação, percebemos que o ambiente provavelmente tinha contato visual direto com a área de lazer com piscinas, localizada na área externa e hoje infelizmente em ruínas; e com as quadras de tênis (estas bem conservadas e utilizadas pelos veranistas do local). Porém, o anexo anteriormente citado parece quebrar este contato, impedindo as visuais através da superfície envidraçada. Atualmente, ainda é possível perceber o cuidado em apresentar uma visual externa do volume cilíndrico correspondente ao salão/auditório.
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Aspecto do salão, no volume cilíndrico do prédio. (foto:Jorge Luís Stocker Jr./2010)
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Já o salão chama atenção por sua riqueza espacial, correspondendo e superando a todas as expectativas criadas pelo exterior do prédio. O rebaixamento em gesso do forro, com grandes círculos luminosos, cria uma singular atmosfera “futurista” (hoje soa como, digamos, um futuro do pretérito). O pé-direito relativamente baixo e o jogo de diferentes cotas de nível, com curvaturas, enriquece ainda mais a percepção do espaço, sendo possível “absorver” a perspectiva do salão inteiro estando em qualquer ponto. A luz permeia o ambiente através das grandes aberturas dispostas em todo volume curvo.
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Suaves diferenças de nível enriquecem o espaço. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2010)
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As esquadrias empregadas são janelas basculantes de madeira, provavelmente adotadas como maneira de prevenir a ferrugem.
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Dois ambientes da antiga SAPI: Entrada (vê-se o divisor de ambientes que lembra brise-soleils) e salão, com o imponente forro de gesso rebaixado(fotos: Jorge Luís Stocker Jr./2010).
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Segundo informações prestadas por alguns sócios no local, o prédio foi adquirido pela Prefeitura Municipal de Imbé, e encontra-se com o salão interditado devido ao mal estado de conservação. Ao que parece a Prefeitura pretende deixá-lo em condições de uso e abrigar ali o Coral ou Orquestra Municipal. Esperamos que a prefeitura de Imbé supere as expectativas e saiba valorizar este patrimônio de que agora detém tutela. Uma restauração ou mesmo reciclagem, respeitando as características originais, e prevendo novos usos e vida ao local, certamente tornariam o prédio um dos principais atrativos turísticos da cidade!
Texto e Imagens: Jorge Luís Stocker Jr.
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Leia também:
- Imbé - o adeus da cidade jardim. J. Geraldo V. Costa [Seção Minha cidade - Portal Vitruvius]
- Tese de mestrado da Arquiteta Alessandra Rambo Szekut, abordando a obra de Luís Fernando Corona. Inclui detalhes e croquis do projeto original da SAPI.
Parabéns Jorge!
ResponderExcluirO texto está muito bom, assim como todos os outros existentes no blog...
Instiga a refazer seu passeio e olhar com mais atenção para estes locais...
Baita abraço,
Jr
Belo Post!
ResponderExcluirpo, não sabia que tinha obras do Corona na praia, bela informação.
Também não sabia eu, que era projeto do Corona, e me admiro que tenham executado conforme o proposto.
ResponderExcluirValeu Stocker, belo trabalho !
Obrigado por dividir conosco suas impressões, tão bem escritas e articuladas. Obrigado também pelas fotos, sempre mais do que excelentes.
ResponderExcluirÓtimos panoramas, bom pra quem mora longe daí saber das semelhanças e diferenças entre as realidades.
Assisti show de paginação na SAPI. Bons tempos no casarão de pedra em frente.
ResponderExcluira sapi foi completamente demolida e o casarão de pedra em frente encontra-se abandonado, sem nada do seu telhado e em seus ultimos suspiros. triste história jogada fora.
ExcluirPura verdade amigo.
ExcluirMorei 20 anos dentro da SAPI, muito triste a demolição, quando em muitos lugares seria preservado e tombado como patrimônio histórico.
Acabaram com parte da minha história ,pois morei 20 anos ali dentro,meu avô foi zelador 43 anos ali.
ResponderExcluirDemoliram patrimônio histórico do município, triste isso.
Em muitos municípios seria conservado e tombado como patrimônio histórico
Lembro dele , um amor de pessoa , conhecia TDS pelo nome !
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