quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

São Leopoldo (RS) está sumindo - "a todo vapor"!

Imitações históricas fantasiosas. Enjambrações e desfiguração de prédios históricos. Muitos destes erros com os quais nos deparamos em nossas cidades diariamente poderiam ser justificados pela “ingenuidade”. Até mesmo algumas demolições.

Esta “ingenuidade” de que tratamos nada mais é do que a falta de conhecimento. Na maioria das vezes, a falta de acesso ao conhecimento. E ingenuidade se perdoa.

Talvez com ingenuidade, a Prefeitura Municipal de São Leopoldo lançou em 2009 um projeto de Centro Administrativo para a cidade. Localizado no coração histórico da cidade, o prédio seria um nefasto vizinho do patrimônio cultural circundante: Um bloco em altura, que tanto mimetizava o prédio Art Déco da antiga Prefeitura quanto acrescentava traves enxaimel a fachada.



Imagem da fachada, divulgada na internet em 2010. (fonte: PM São Leopoldo).


Em suma, uma completa vergonha. Um projeto digno de figurar em programa humorístico, ou em alguma sátira arquitetônica de faculdade. Era difícil, à época, acreditar na veracidade da notícia. Mas ela estava lá, apresentando uma Prefeitura “vexaimel” que viria para resgatar a cultura alemã na cidade e “criar” um novo ponto turístico.

Os erros desta proposta foram aqui discutidos na ocasião,
no artigo que pode ser acessado clicando aqui.

Mas o Die Zeit não discutiu sozinho. Fomos apenas uma pecinha entre muitos: Diretórios Acadêmicos de Arquitetura e Urbanismo das universidades Unisinos e Feevale; profissionais autônomos da região, Defender, IAB e o ICOMOS. Lotamos a Câmara de Vereadores.

Fomos educados e sucintos, apontando os erros da proposta, que aliás, eram muitos. O enxaimel era apenas a cereja no topo do bolo. As traves enxaimel estavam lá apenas para evidenciar a todos: “opa, alguma coisa está MUITO errada aí!”. Muitas vezes este tipo de “cereja” já fez falta, aliás. Quem sabe outras obras teriam chamado a atenção e pudéssemos ter evitado muitas atrocidades maiores.

Mas de qualquer forma, remover a cereja não muda o sabor e o formato do bolo. Tampouco girá-lo no prato. Essa analogia pobre explica a estratégia da Prefeitura Municipal para readequar o projeto, uma espécie de “cala a boca” aos que reclamavam:





Mudou a cara, mudou a posição no terreno – a essência é a mesma!



Analisando bem a edificação, vemos uma ilustração clara da decadência das obras públicas. Com dinheiro público e com a oportunidade de ouro de construir um programa especial (Prefeitura) em um território rico em informações para serem exploradas, vemos que a Prefeitura Municipal desiste do fiasco vexaimel para investir numa espécie de “torre residencial”.

A arquitetura é mais do que apenas sua funcionalidade e sua materialidade: ela também é o que parece e o que representa. Quando tratamos de um Paço Municipal, esse significado redobra.

A torre agora é "contemporânea" (sic), o projeto é o mesmo. Ele representa para a cidade o mesmo que tantas outras torres residenciais representam. Um nada. Um edifício sem o caráter que uma Prefeitura deveria ter.

Mas, se por um lado ter essa forma “residencial” poderia fazer o prédio se esconder entre o mar de mediocridade, tornando-se apenas discreto, por outro, implantá-la num local onde ainda predomina a escala colonial e praticamente ao lado de edificações históricas cruciais para o centro histórico da cidade, é completamente insano. Prejudica imensamente o perfil da rua, a ambiência histórica e a visual de entrada do município.

Como compatibilizar esta escala com o edifício proposto?


Parafraseando o jornalista cultural André Azevedo da Fonseca, é “como se um engraçadinho suprimisse um parágrafo da história da cidade e inserisse, por conta própria, palavrões e vulgaridades”. O efeito é o mesmo. Mas ao contrário do caso a que se referia Fonseca, aqui não estamos lidando com uma mera desfiguração de prédio histórico, mas de uma intervenção crítica no coração da cidade.

Os problemas são, enfim, nítidos e visíveis, mas agora não é ingenuidade. Está claro: com tantos órgãos importantes e profissionais gabaritados alertando sobre os problemas que esta obra da forma como é proposta irá acarretar, a Prefeitura Municipal de São Leopoldo segue a construção “a todo vapor”.


"Em São Leopoldo, a obra não pode parar". Publicado no Informe Especial do jornal Zero Hora em 12/01.


E aliás, faz questão de usar os veículos de comunicação da região para demonstrar seu poder. O prédio sai, não importa se faça chuva, sol ou vento; e daí se o Ministério Público nos processa. Não vamos parar pra pensar, agora é agir.




"Nova Prefeitura com Obra Adiantada", em reportagem típica de assessoria de imprensa publicada no Jornal VS.


Definitivamente isso não é ingenuidade. Hipocrisia? Só sei dizer que o Poder Público Municipal de São Leopoldo é privilegiado. Cada erro que comete ou pensa em cometer, lá está a sociedade, atenta, ativa, engajada. Lotando a Câmara! Que o digam as últimas duas audiências públicas, onde destaca-se a causa ambiental do Bosque de São Francisco de Assis – causa esta, que a Prefeitura parece tentar “transferir” para abafar o caso. Fico imaginando que salto de qualidade a região daria, se a sociedade reagisse sempre assim.

Mas com tanta participação, tanto engajamento, a contrapartida que a Prefeitura concede é pífia. Responde com o silêncio e a ausência nas audiências. Toma atitudes como *esta sem consultar a sociedade.

Temos uma série de ganhos particulares com consequentes prejuízos coletivos. A balança pende pra um lado. E o lado vitorioso, não está interessado com a qualidade de vida, com o entendimento e apreciação da cidade como um todo. Não está interessado na proteção das fragilizadas migalhas de ecossistemas e de patrimônio cultural. Não está interessada, enfim, em nada que torna São Leopoldo a cidade de São Leopoldo.

E fica apenas a tristeza e a revolta, ao nos depararmos com as reportagens que nos deixam claro que obra não para. Afinal, sabemos que certamente este erro não é obra da ingenuidade.
Corram, pois o que conhecemos por São Leopoldo está sumindo. E no que depender da Prefeitura e do 'cronograma da obra', será " a todo vapor".

3 comentários:

  1. Acho que uma coisa é usar enxaimel enquanto escolha consciente de uma estética medonha (medonha, pois não se está citando uma referência na criação de algo, mas sim fazendo algo meia boca que se acha ser fiel ao passado). Outra coisa é inventar um passado fajutão e estufar o peito, dando uma de cara respeitador. O pessoal dessa outra coisa só cria ponto turístico ao criar uma bela tosquice (a qual não é uma tosquice bela), a qual só atrai turistas de tosquices (tipo os personagens de filmes que vão pra roça obscura ver a maior frigideira do mundo).

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  2. O turismo produzido por um prédio em estilo vexaimel é tipo o turismo produzido pela maior frigideira do mundo, a qual fica em Brandon, Iowa, no interior profundo dos EUA.

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