quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Hoje, 17 de agosto, comemora-se o Dia Nacional do Patrimônio Histórico.

Nós, brasileiros e gaúchos, certamente temos muito a comemorar. Afinal, somos um estado plural como o Brasil e portanto, nosso patrimônio cultural é muito diversificado.

Podemos comemorar o nosso legado missioneiro, muito bem expresso pelas ruínas de São Miguel Arcanjo, declaradas patrimônio da humanidade pela UNESCO. Além delas, as dezenas de imagens religiosas esculpidas pelos índios catequizados e pelos jesuítas que nosso Estado ainda abriga .

Uma das imagens missioneiras em exposição permanente no Museu Júlio de Castilhos, em Porto Alegre (RS). (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2009)

Comemoremos, quem sabe, a imigração açoriana que completará 260 anos em 2012. Crucial para nossa identidade enquanto gaúchos, nos legou cidades históricas como Triunfo, Santo Amaro, Pelotas, Rio Pardo e tantas outras, que até hoje guardam em suas ruas a história
deste povo tão simples, receptivo e acolhedor.


Um pouco do cotidiano tranquilo da Vila de Santo Amaro, em General Câmara (RS). (foto: Jorge Luís Stocker Jr/2008)
Casarão Mendonça, em Pelotas (RS). (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2011)
Um pouco do conjunto histórico colonial de Triunfo (RS). (foto: Elis Regina Berndt/2008)

E o que dizer do expressivo contingente de imigrantes alemães que aqui se instalaram, a partir de 1824, na colônia imperial de São Leopoldo e posteriormente, espalharam-se por colônias particulares em todo a extensão do Rio Grande do Sul? Nosso estado abriga lugares de memória inigualáveis, como o conjunto histórico de Ivoti (RS), o conhecido Buraco do Diabo, tombado pelo IPHAN, compreendendo a Ponte do Imperador e o núcleo de casas enxaimel; e o conjunto urbano de Dois Irmãos (RS), com suas dezenas de casas históricas devidamente tombadas pela Prefeitura Municipal. E não esqueçamos a Casa Schmitt-Presser, de Novo Hamburgo, primeira residência enxaimel tombada pelo IPHAN. Fantástico exemplar de arquitetura nesta técnica construtiva.
Casa Schmitt-Presser, primeiro enxaimel tombado pelo IPHAN nos anos 80. (Foto: Jorge Luís Stocker Jr./2010)
A Av. São Miguel, de Dois Irmãos (RS), apresenta uma série de casas históricas. É bastante significativa a quantidade de bens tombados pela municipalidade nesta via. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2009)

E como esquecer os imigrantes italianos, aqueles que enfrentaram os terrenos íngremes e hostis da serra gaúcha, a partir de 1870? Esta imigração nos legou um pujante setor vitivinicultor, de qualidade reconhecida internacionalmente. Indispensável lembrar a bela Antônio Prado, patrimônio nacional pelo IPHAN com suas dezenas de casarões centenários de madeira, e a recentemente tombada Santa Tereza, não por conta do valor de alguns bens históricos em particular, mas pelo conjunto harmônico que compõe sua paisagem cultural típica.

A bela paisagem urbana típica de Santa Tereza (RS). (Foto gentilmente cedida por Rene Hass)

Os casarões típicos de Antônio Prado (RS). (foto gentilmente cedida por Rene Hass).

E as imigrações polonesa, judaica, pomerana, e a população afro-descendente, que tanto moldaram nossa cultura? Entre tantas influências, eis o povo gaúcho. Representado não apenas aquele cidadão pilchado com a vestimenta fetichizada pelo MTG, mas por todos cidadãos
destas terras ao sul do Brasil, onde muitas culturas vieram somar sua contribuição a um todo que ainda pulsa e vibra.

Temos muito a comemorar, sim.

Mas infelizmente, nossa comemoração será limitada. Pois aos poucos, estes motivos para comemoração vão se esvaindo. O ritmo com que nossa diversidade cultural é valorizada ainda não acompanha, nem de longe, a velocidade com que bens insubstituíveis vão desaparecendo do nosso imaginário e das nossas cidades.
A educação patrimonial ainda é incipiente. Ofegante, corre para deter a fúria do mercado imobiliário, que deseduca e atropela diariamente referências culturais sem deixar rastros. Não consegue, e nunca vencerá sozinha e a tempo esta luta inglória.

A comemoração é, portanto, feita com tristeza e esperança.

Esperança de que, algum dia, finalmente a Prefeitura Municipal de Campo Bom (RS) reconheça a importância de sua história. Que o primeiro cemitério da imigração alemã construído no Rio Grande do Sul, hoje em ruínas, venha a ser valorizado, em reconhecimento aos imigrantes alemães ali enterrados nos primeiros anos da colonização. Que seja tombado o templo evangélico, por sua importância como marco urbano na paisagem já tão descaracterizada.
Lápides de valor inestimável estão abandonadas e sujeitas a depredação em Campo Bom (RS). (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2009)

... de que o centro histórico de Hamburgo Velho, no entorno imediato da Casa Schmitt-Presser, venha um dia a ser devidamente oficializado e tombado como sítio histórico. Que deixe de ser um corredor de passagem do trânsito em um bairro fantasma, que volte a ter vida, a pulsar cultura. Que receba um mobiliário urbano adequado à sua importância.

A Casa Kayser, enxaimel, e o antigo Evangelisches Stift/Lar da Menina, tombado e arruinado; em Hamburgo Velho, bairro de Novo Hamburgo (RS). (Foto: Jorge Luís Stocker Jr./2011)

... que Ivoti se conscientize de que não é saudável relegar apenas ao núcleo de casas enxaimel tombado o papel de representar sua história. Uma série de residências e prédios históricos ainda pedem socorro pela Av. Presidente Lucena, outros muitos já sumiram, com autorização da própria administração. Outros, apesar de tombados pela municipalidade, correm o risco de perder sua ambientação devido a intervenções grosseiras no seu entorno.
Um dos remanescentes conjuntos na Av. Predidente Lucena, de Ivoti, a cada dia mais descaracterizada, com incentivo de um plano diretor permissivo e a valorização apenas do núcleo histórico afastado e desvinculado da malha urbana. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2007)

...de que São Leopoldo faça jus ao título recebido oficialmente em 2010, de Berço da Imigração Alemã no Brasil, e valorize as migalhas que sobraram de seu centro histórico realizando um inventário completo e digno. Que enfim, não aconteçam mais casos alarmantes como a infeliz construção do novo centro admnistrativo, que tristemente, segue em andamento, juntamente com a erradicação autorizada dos últimos bens culturais ao longo da rua Grande/ Independência.

Construção em andamento, substituindo um prédio Art Déco (link) que fazia conjunto com o remanescente que ainda aparece à esquerda. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2011).

... de que a cidade de Ilópolis saiba dar prosseguimentos à ação desencadeada pelo Museu do Pão, e agilize-se para valorizar os últimos casarões autênticos que ainda guarda em seu território urbano. Eles não são apenas velhos casarões de madeira italianos, e vão bem além de potencial turístico. Eles são parte da história da população local, e sem elas, a cidade perderá seu significado.
Um dos casarões restantes na área central de Ilópolis (RS), que ainda não contam com nenhum tipo de proteção. (Foto: Elis Regina Berndt, 2008).

... de que a nossa capital Porto Alegre dê atenção especial ao seu centro histórico, tirando do abandono e depredação bens importantíssimos como o Viaduto Otávio Rocha, tombado. Mas que também não siga permitindo a demolição de bens históricos valendo-se de critérios exclusivistas e que não levam em conta a diversidade e a inserção das edificações em um conjunto.
E assim poderíamos citar uma infinidade de casos que clamam por atenção e por uma solução.
Viaduto Otávio Rocha, tombado, agoniza em Porto Alegre (RS). (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2010).

...Enfim, as tristezas são várias, mas as esperanças são muitas. Enquanto o futuro é apenas esperança, vamos continuar desempenhando nosso humilde papel, que é utilizar a ferramenta que temos em mãos (internet) para divulgar e problematizar a continuidade do patrimônio cultural.

“Só a democracia participativa, aliada à informações e educação, poderá assegurar que as escolhas certas serão utilizadas”
(Jacques Dalibard)

A população precisa estar preparada e munida de informação para exercer sua cidadania. Dadas as condições atuais, no deserto em que predomina apenas a (des)educação promovida pelo mercado imobiliário, é impossível esperar engajamento social nesta luta.

Os problemas existem, mas precisam ser divulgados para que sejam solucionados. O patrimônio precisa ser, enfim, visto para ser apropriado pela população.

Parabéns, patrimônio cultural gaúcho.

Jorge Luís Stocker Jr.

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Veja também:

Protesto organizado pela Defender em Porto Alegre, marcando o dia Nacional do Patrimônio Cultural:
[ vídeo | notícia 1 | notícia 2 | notícia 3]

4 comentários:

  1. Dos locais descritos o único que vejo seguidamente é o de Hamburgo Velho quando estou em visita à minha filha. É caminho dela do Hospital Regina para casa. Sempre se passa rapidamente, mas emociona e dói ver aquelas construções deteriorando.
    Mais uma vez, parabéns pelo blog e preocupação com nossa história.
    Abraço, Beth.

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  2. Quanto coisa bacana. Vamos ver até quando as pessoas vão olhar para a historia arquitetônica e achar que tudo não passa de velharia.

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  3. O casarão da segunda foto não é o casarão Mendonça; o mesmo, remanescente em estilo colonial, encontra-se atualmente em ruínas.
    Uma pena, pois pela antiguidade, tem mais valor histórico que muitos casarões ecléticos mais vistosos.

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  4. Porque e importante preservar as casas em estilo enxamel qual importancia?

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