quinta-feira, 4 de novembro de 2010

As vaquinhas ensinam arquitetura - Cow Parade Porto Alegre 2010

O Cow Parade de Porto Alegre tem despertado atenções. É impossível visitar uma das cerca de 80 vaquinhas espalhadas pela cidade e não se deparar com vários visitantes, com máquinas digitais em punho, registrando as obras de arte. Essa "movimentação" pelo meio urbano é elogiável, por reconciliar o cotidiano da cidade com os espaços que ela ocupa. A inserção das "vacas" como pontos de referência temporários suscita o reconhecimento dos pontos de interesse (permanentes) situados nas cercanias.


(Vacaduto da Borges - Foto: Elis Regina Berndt/Nov 2010)

Visitar as vaquinhas é um passatempo divertido, e resgata o "passear pela cidade", hoje tão incomum na cidade pelos mais variados motivos. E acredite, também pode ser divertido dedicar alguns cliques e olhares aos prédios evidenciados pelo posicionamento de algumas vaquinhas - lugares que dizem muito sobre a identidade de Porto Alegre.
Para dar um gostinho, vamos sugerir algumas visitas... Mas com olhar atento, é possível ver muito mais coisas interessantes entre uma vaquinha e outra!

"27 - Cowversa comigo?" - Estação Mercado

A vaquinha Cowversa comigo está sob o arco da Estação Mercado. O entorno é um dos mais interessantes de Porto Alegre, a começar pelo próprio Mercado que dá nome a estação. Trata-se de um dos prédios mais antigos ainda existentes na cidade, inicialmente com apenas um pavimento e torreões laterais, acrescido no início do séc. XX de mais um andar, recebendo a linguagem mais eclética que hoje o caracteriza.


Aspecto do Mercado Público de Porto Alegre. (Foto: Jorge Luís Stocker Jr/2010)


O mercado público é até hoje, palco do cotidiano da cidade, existindo uma vida própria muito característica. A reforma dos anos 90 deixou o ambiente bastante asséptico em relação ao que se espera deste tipo de espaço, mas em contrapartida preparou o Mercado para continuar participando do cotidiano da cidade no século XXI.


Ao fundo, o Palácio do Comércio, projetado por Joseph Lutzenberger. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2010)


Também vale a pena reparar no Palácio do Comércio, situado ao lado da Estação. Inaugurado em 1940, o prédio reflete a tendência geometrizante, inspirada no Art Déco, que influenciou boa parte da produção arquitetônica da cidade na época, além de exemplificar a resistência aos modelos modernos de matriz corbuseana. Ironicamente, foi projetadopor um arquiteto alemão (Joseph Lutzenberger), durante o governo de Getúlio Vargas, que tanto faria pela nacionalização forçada e pela repressão à cultura alemã, respingando estas consequências na atuação de alemães em profissões como engenharia e arquitetura.


O entorno do mercado é riquíssimo em prédios de diferentes momentos da cidade. (foto: Jorge Luís Stocker Jr.)

"76 - Vacaduto da Borges" - Borges de Medeiros

A obra Vacaduto da Borges, situada no início da Borges de Medeiros, deixa em evidência um quarteirão de primeira importância para a arquitetura moderna na cidade. Como principal prédio do conjunto, desponta o monumental Sulacap, com sua inconfundível cobertura piramidal. O prédio, projetado pelo arquiteto Arnaldo Gladosch, foi inaugurado em 1943 e já então encontrava oposição ferrenha no meio acadêmico e profissional da cidade, que começava a interessar-se pelo modernismo corbuseano. Apesar de retrógrado pelo fato de utilizar mais cheios do que vazios e dos elementos decorativos, o prédio exemplificava a revolução urbana moderna que se pretendia na área, através de plano diretor elaborado pelo mesmo Gladosch. O "quarteirão Masson", como era então chamado, apresentava aspecto monumental, com a marcação da esquina através da torre. Tudo em substituição ao casario colonial e ao traçado de quadras pré-existentes no local, com complicada divisão de terras que atravancava a verticalização da cidade.


Edifício Sulacap, projetado por Arnaldo Gladosch. (Foto: Jorge Luís Stocker Jr./2010)


Gladosch conseguiu deixar sua marca neste entorno não apenas através do Sulacap e do Sul América, prédios de sua autoria, mas também na própria avenida, mais precisamente no Quarteirão Masson que até hoje representa a síntese soluções urbanas por ele defendidas, como o abrigo coberto para pedestres, as relações de escala e alturas e a própria modernidade expressa através do "futurismo" e da monumentalidade. É impossível visualizar o impactante "cânion" de prédios da Borges de Medeiros, com o coroamento minucioso do Sulacap, e não remeter-se a cenas como as do filme alemão Metrópolis, de Fritz Lang.
Os prédios do entorno representam diferentes momentos da absorção do ideario "moderno" na cidade de Porto Alegre.


Conjunto "Continente", construído em diferentes momentos (Ed. Planalto, Ed. Missões e Ed. Fronteira), visivelmente inspirado no Palácio Capanema, de Niemeyer, Lucio Costa e cia, denotando a influência do modernismo carioca na cidade. (Foto: Jorge Luís Stocker Jr./2010)


"72 - O Pensamento" - Casa de Cultura Mario Quintana


O Pensamento (Foto: Elis Regina Berndt/2010)


O antigo Hotel Majestic, que hoje abriga a Casa de Cultura Mario Quintana, é de longe um dos locais mais bacanas da cidade para se visitar, não importa o motivo: cinema, teatro, exposições artísticas culturais, café, ou mesmo apenas um chimarrão no jardim. Ou mesmo visitar a vaquinha "O Pensamento" da Cow Parade.


A Travessa dos Cataventos, que divide os dois blocos do antigo Hotel Majestic. (Foto: Jorge Luís Stocker Jr./2010)

O projeto original, de Theo Wiederspahn, previa duas edificações idênticas, simétricas, unidas pelas duas cúpulas e pelas passarelas. A travessa interna, bastante ousada até para os dias atuais, acabou configurando-se em um dos espaços urbanos mais interessantes da capital gaúcha. É um espaço especial que a cidade soube apropriar-se.


Detalhe do Antigo Hotel Majestic, de Theo Wiederspahn (Foto: Jorge Luís Stocker Jr/2010)

O volume situado do lado leste, inaugurado em 1918, teve grande parte de suas características originais preservadas. O outro volume recebeu uma importante intervenção interna nos anos 90, quando foi convertido para Centro Cultural, com interessante uso de concreto armado nu.


A vista do "Jardim Joseph Lutzenberger" da CCMQ privilegia a vista da igreja das Dores, cuja fachada também é autoria de Theo Wiederspahn. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2010)

"80 - Bochincho no Galpão da CowParade" - Santander Cultural


Antiga sede do Banco Nacional do Comércio, hoje Santander Cultural. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2010)

Em frente ao Santander Cultural, na Praça da Alfândega, está situada a vaquinha denominada "Bochincho no Galpão da CowParade". O local é único, pelo "confronto" de dois modelos de edificação bancária: o antigo Banco Nacional do Comércio, hoje convertido em Santander Cultural, de feições fortemente clássicas, e o prédio modernista do antigo SulBanco, hoje Banco Santander.


Bochincho no Galpão da CowParade - Foto: Elis Regina Berndt/2010

O primeiro, teve projeto encomendado ao arquiteto Theo Wiederspahn, na época com um programa mais extenso. Problemas fariam com que Widerspahn falisse e se afastasse da obra, e seus estudos foram posteriormente adaptados por outros profissionais. Foi inaugurado em 1931. A riqueza dos conjuntos escultóricos, alguns dos quais executados pelo artista Fernando Corona, é um dos destaques da edificação, bem como a monumentalidade conferida pelos grandes pilares de ordem coríntia.


Inserção da antiga sede do Sulbanco a partir da rua General Câmara ("da ladeira"). (foto: Jorge Luís Stocker Jr/2010)

O segundo edifício, antiga sede do Sulbanco, inaugurado em 1943, passa despercebido aos que pouco conhecem sobre a arquitetura moderna. No entanto, é um dos principais exemplares da cidade. A adoção dos princípios modernistas, como o emprego do Brise-Soleil como elemento de proteção na fachada oeste (solução técnica mas de grande impacto visual) que permitiu grandes aberturas. O prédio marca o novo "programa" exigido pelas agências bancárias, um grande bloco verticalizado de escritório. A robustez exigida na época para sedes bancárias, porém, continua presente no pavimento térreo, revestido de granito preto. Vale ainda ressaltar a interessante articulação de materiais proposta pelo arquiteto Guido Trein - o metal do brise-soleil em contraste com os tijolos cerâmicos e a base de granito.

A interessante articulação de materiais do antigo Sulbanco. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2010)

Texto: Jorge Luís Stocker Jr.

Leia também:

-"Arnaldo Gladosch - O Edifício e a Metrópole" (livro) - Anna Paula Cannez

- Arquitetura Moderna em Porto Alegre (livro) - Alberto Xavier / Ivan Mizoguchi

- Cow Parade Porto Alegre 2010

2 comentários:

  1. Gosto muito do jeito como você escreve. Neste texto por exemplo, você vai apresentando a própria capital gaúcha usando as vacas como pretexto. O resultado foi um texto muito leve, porém esclarecedor, que usa a sua visão para chamar a atenção para detalhes que interessam tanto a quem ainda não conhece Porto Alegre quanto a quem passa todos os dias por essas ruas.
    Não é um texto técnico, voltado só para os arquitetos, e isso na minha opinião é uma vantagem e tanto, porque textos pedantes, mesmo que profundos, só diminuem a diversidade de leitores: quanto mais diverso o tipo de leitor, maior a chance de trazer uma visão nova para quem lê e estabelecer um debate com quem escreve.

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  2. Guido Hélio Trein foi Projetista e desenhista da Construtora Azevedo Moura e Gertum entre os anos 40 e 80. Nunca se formou em Arquitetura, mas na época,coma saída da Empresa de Fernando Corona foi responsável pelo departamento de Arquitetura, chamado,assim com "arquiteto" Forte Abraço.Arq.Paulo Hilgert

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