Modelo de preservação leopoldense: o patrimônio "preservado", porém desmoralizado, não faz mais qualquer diferença. Sua presença é dispensável no cenário urbano que o engole. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2006)
Quando fundada, São Leopoldo foi planejada para sede administrativa das colônias alemãs gaúchas. Com um traçado de tabuleiro, a cidade desempenhou por muitos anos este papel, que a partir de 1930, com a emancipação do distrito de Novo Hamburgo, foi lentamente ficando obsoleto. A cidade perdeu praticamente todos os seus distritos, e sua importância administrativa. Mas continuou crescendo.
Um pouco sobre a igreja luterana no Rio Grande do Sul
Praticamente desconhecido no restante do Brasil, o luteranismo chegou ao Rio Grande do Sul junto aos primeiros imigrantes de confissão luterana. A liberdade de culto foi garantida a estes ainda em tempos do império, com uma série de restrições. A principal delas, constante na Constituição, dizia respeito aos templos: deveriam ser discretos e não ter aparência de casa de cultos, ou seja, torres estavam sumariamente proibidas.
Em segundo plano, o primeiro templo luterano de São Leopoldo (RS).
A disponibilidade de apenas dois pastores para todas as colônias alemãs (São Leopoldo e de Três Forquilhas / Torres) deixava a maioria dos colonos em completo abandono espiritual. Esta situação ocasionou o surgimento da figura do “pseudo-pastor” - o “pastor” era eleito entre os colonos pela própria comunidade, que selecionava a pessoa que julgava com capacidade de interpretar as sagradas escrituras, e com disponibilidade de tempo para alfabetização das crianças.
Esta situação deixou os pastores eruditos enviados pela igreja luterana alemã a partir da década de 1860 completamente horrorizados, e também causava péssima impressão entre os padres católicos. Vistos como cristãos brutalizados, os colonos foram lentamente “re-convertidos” a fé erudita. Não foi fácil fazê-los aceitar decisões superiores, vindas “de cima para baixo”, em contraste com as decisões comunitárias que vigoraram até então.
As comunidades luteranas, organizadas pelos próprios colonos como unidades autônomas, acabariam filiando-se a sínodos ligados diretamente a Igreja Luterana alemã. Esta filiação oportunizou o crescimento econômico das comunidades, pois era comum o financiamento de templos, vitrais, sinos e outros bens, em número e com tal qualidade que seriam inalcançáveis nas pequenas localidades. Estes sínodos, após muitas idas e vindas, tornaram-se completamente independentes da igreja alemã, gerando o que hoje conhecemos por IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil.
Em 1908, a igreja em construção. Em primeiro plano, os filhos do Pastor Rotermund.
Neste breve resumo, não podemos deixar de citar a existência de outra corrente luterana, que viria a gerar a IELB - Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Filiada inicialmente ao sínodo norte-americano Missouri, chegou às terras gaúchas com a vinda de missionários norte-americanos. Suas pregações tinham características mais fundamentalistas e captaram boa parte dos fiéis luteranos em algumas cidades.
A igreja luterana de São Leopoldo
A partir da década de 1870, mais ou menos, pode-se dizer que as colônias alemãs e alcançaram relativa estabilidade econômica e prosperidade. São Leopoldo centralizava então a administração de toda colônia, sendo cidade muito simbólica para germanidade gaúcha.
(foto: Jorge Luís Stocker Jr./2006)
A igreja luterana de São Leopoldo, devido a proibição da constituição Imperial, funcionava até então em uma simples casa de cultos. Após a proclamação da república, a igreja mostrou-se muito modesta e incompatível com a nova imagem de prosperidade da colônia São Leopoldo, e da própria igreja Luterana.
(foto: Jorge Luís Stocker Jr./2006)
Sob a liderança do polêmico Pastor Rotermund, a comunidade de São Leopoldo decide construir seu novo templo baseado em um projeto alemão. A referência foi o templo luterano de Kreinitz, distrito situado às margens do Rio Elba, de autoria do Arquiteto Julius Zeissig, de Leipzig. O projeto foi construído com algumas modificações: o relógio foi disposto em todas as faces (a igreja alemã tem apenas um), e foi ampliada a nave principal.
Kreinitz, Alemanha, e sua igreja luterana, cujo projeto serviu de base para a igreja Leopoldense. Gentilmente cedida por Andreas Büttner.
[amplie a imagem, vale a pena!]
É curioso observar a semelhança da implantação das cidades, ambas em terreno plano e às margens de um rio importante. Enquanto Kreinitz continua um pequeno e pacífico povoado às margens do Rio Elba, São Leopoldo desde então cresceu descontroladamente, poluindo o Rio dos Sinos, e sem o menor cuidado de manter a harmonia de escalas de sua paisagem urbana.
Em Kreinitz, a igreja ainda desponta como o mais importante dos edifícios (que de fato é), pautando um perfil harmonioso de escalas compatíveis. Não há concorrência sequer para a nave da igreja, cuja cumeeira é mais alta do que todas as demais edificações das cercanias.
A paisagem confusa de São Leopoldo, onde as escalas não seguem qualquer ordem. Os interessantes exemplares Art-Déco estão com os dias contados. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2006)
Já em São Leopoldo, a conhecida Igreja do Relógio aparece como uma jóia perdida em meio a confusão, difícil de ser encontrada em meio a efusão de prédios de diferentes períodos, proporções e qualidades. Prédios residenciais medíocres e sem a mesma importância cobrem as visuais a partir de quase todos os ângulos. O templo reduziu-se a apenas um eco de uma São Leopoldo que pretendia-se representativa da germanidade brasileira, mas que hoje figura como apenas mais um de seus centros urbanos caóticos.
Este processo de banalização do meio urbano ainda está em andamento - diariamente a cidade nega e erradica o restante do seu patrimônio cultural em nome de um conceito de progresso atrasado e pífio, que remonta à décadas passadas.
Ficam as imagens de Kreinitz que, talvez, sejam um eco romântico do que a paisagem urbana de São Leopoldo poderia ter sido.
Gentilmente cedida por Uwe Riemer.
Gentilmente cedida por Matthias H.
Gentilmente cedida por Matthias H.
Leia também
- Site sobre Kreinitz, com fotos da igreja.
- Sobre a igreja de Kreinitz
- Histórico da IECLB.
- Livro Herança de Geração em Geração, de Telmo Lauro Müller, sobre a igreja luterana de São Leopoldo.
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Esta situação deixou os pastores eruditos enviados pela igreja luterana alemã a partir da década de 1860 completamente horrorizados, e também causava péssima impressão entre os padres católicos. Vistos como cristãos brutalizados, os colonos foram lentamente “re-convertidos” a fé erudita. Não foi fácil fazê-los aceitar decisões superiores, vindas “de cima para baixo”, em contraste com as decisões comunitárias que vigoraram até então.
As comunidades luteranas, organizadas pelos próprios colonos como unidades autônomas, acabariam filiando-se a sínodos ligados diretamente a Igreja Luterana alemã. Esta filiação oportunizou o crescimento econômico das comunidades, pois era comum o financiamento de templos, vitrais, sinos e outros bens, em número e com tal qualidade que seriam inalcançáveis nas pequenas localidades. Estes sínodos, após muitas idas e vindas, tornaram-se completamente independentes da igreja alemã, gerando o que hoje conhecemos por IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil.
Em 1908, a igreja em construção. Em primeiro plano, os filhos do Pastor Rotermund.
Neste breve resumo, não podemos deixar de citar a existência de outra corrente luterana, que viria a gerar a IELB - Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Filiada inicialmente ao sínodo norte-americano Missouri, chegou às terras gaúchas com a vinda de missionários norte-americanos. Suas pregações tinham características mais fundamentalistas e captaram boa parte dos fiéis luteranos em algumas cidades.
A igreja luterana de São Leopoldo
A partir da década de 1870, mais ou menos, pode-se dizer que as colônias alemãs e alcançaram relativa estabilidade econômica e prosperidade. São Leopoldo centralizava então a administração de toda colônia, sendo cidade muito simbólica para germanidade gaúcha.
(foto: Jorge Luís Stocker Jr./2006)
A igreja luterana de São Leopoldo, devido a proibição da constituição Imperial, funcionava até então em uma simples casa de cultos. Após a proclamação da república, a igreja mostrou-se muito modesta e incompatível com a nova imagem de prosperidade da colônia São Leopoldo, e da própria igreja Luterana.
(foto: Jorge Luís Stocker Jr./2006)
Sob a liderança do polêmico Pastor Rotermund, a comunidade de São Leopoldo decide construir seu novo templo baseado em um projeto alemão. A referência foi o templo luterano de Kreinitz, distrito situado às margens do Rio Elba, de autoria do Arquiteto Julius Zeissig, de Leipzig. O projeto foi construído com algumas modificações: o relógio foi disposto em todas as faces (a igreja alemã tem apenas um), e foi ampliada a nave principal.
Kreinitz, Alemanha, e sua igreja luterana, cujo projeto serviu de base para a igreja Leopoldense. Gentilmente cedida por Andreas Büttner.
[amplie a imagem, vale a pena!]
É curioso observar a semelhança da implantação das cidades, ambas em terreno plano e às margens de um rio importante. Enquanto Kreinitz continua um pequeno e pacífico povoado às margens do Rio Elba, São Leopoldo desde então cresceu descontroladamente, poluindo o Rio dos Sinos, e sem o menor cuidado de manter a harmonia de escalas de sua paisagem urbana.
Em Kreinitz, a igreja ainda desponta como o mais importante dos edifícios (que de fato é), pautando um perfil harmonioso de escalas compatíveis. Não há concorrência sequer para a nave da igreja, cuja cumeeira é mais alta do que todas as demais edificações das cercanias.
A paisagem confusa de São Leopoldo, onde as escalas não seguem qualquer ordem. Os interessantes exemplares Art-Déco estão com os dias contados. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2006)
Já em São Leopoldo, a conhecida Igreja do Relógio aparece como uma jóia perdida em meio a confusão, difícil de ser encontrada em meio a efusão de prédios de diferentes períodos, proporções e qualidades. Prédios residenciais medíocres e sem a mesma importância cobrem as visuais a partir de quase todos os ângulos. O templo reduziu-se a apenas um eco de uma São Leopoldo que pretendia-se representativa da germanidade brasileira, mas que hoje figura como apenas mais um de seus centros urbanos caóticos.
Este processo de banalização do meio urbano ainda está em andamento - diariamente a cidade nega e erradica o restante do seu patrimônio cultural em nome de um conceito de progresso atrasado e pífio, que remonta à décadas passadas.
Ficam as imagens de Kreinitz que, talvez, sejam um eco romântico do que a paisagem urbana de São Leopoldo poderia ter sido.
Gentilmente cedida por Uwe Riemer.
Gentilmente cedida por Matthias H.
Gentilmente cedida por Matthias H.
Leia também
- Site sobre Kreinitz, com fotos da igreja.
- Sobre a igreja de Kreinitz
- Histórico da IECLB.
- Livro Herança de Geração em Geração, de Telmo Lauro Müller, sobre a igreja luterana de São Leopoldo.
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