segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Existe "gentrificação positiva"?




Discursos vazios a respeito dos benefícios da "gentrificação" tem ganhado páginas dos jornais e as redes, preenchendo uma lacuna deixada pelos movimentos sociais e pela academia. Apelando para o senso comum e para uma leitura parcial da realidade, processos de limpeza social são vendidos como única solução para recuperação de áreas degradadas, de problemas sociais, violência e mesmo de preservação.
Uma vez que a preservação do patrimônio edificado urbano é problemática complexa, soluções aparentemente simples sempre tem grande capacidade de difusão. Projetos ditos "de revitalização" estão no auge, propagandeados e executados pelos poderes públicos ou iniciativa privada, "resolvendo" a problemática da preservação em uma conciliação acrítica com o mercado imobiliário, numa forçada pauta "positiva" que parece cair tão bem para um tema tido por rançoso.

Tais iniciativas não apenas omitem como negam a aplicação de instrumentos urbanísticos recomendáveis, raramente aplicam bons critérios de preservação e, principalmente, promovem um processo desumano de expulsão das comunidades estabelecidas nestes espaços urbanos, privando-as do direito à cidade. As "revitalizações" de áreas históricas propostas tem se mostrado nada além de mera limpeza e higienização social, com fins de tornar áreas mais aptas para o mercado e para uma população de alto poder aquisitivo. Este processo é conhecido como "gentrificação" e, ao nosso ver, nada tem de positivo. 


Este artigo pretende dar um panorama a respeito dos processos de gentrificação em áreas históricas, de forma ampla mas simplificada, levantando questionamentos sobre suas implicações e buscando comprovar que, sobre o ponto de vista da preservação, nada há de "positivo".

O processo de Gentrificação

 A "gentrificação" é um processo de limpeza e higienização social que, quando falamos de sítios históricos, costuma ser potencializado ou provocado por processos de "revitalização" ou "renovação urbana" de uma área. Este tipo de iniciativa ocorre normalmente em acordo dos setores públicos e privado (notadamente os mercados da construção civil e imobiliário) e portanto, não é arbitrário, mas cuidadosamente operado. Mesmo a política de preservação do patrimônio costuma ser manipulada diretamente para promoção deste fim.

O processo de gentrificação tem como alvo, no geral, grandes áreas de um centro urbano que encontram-se em decadência. A decadência tem motivações locais (fim de uma atividade econômica, desconexão com a cidade devido à mudanças na dinâmica de crescimento ou implantação de entroncamentos viários, etc.). O processo de degradação, independentemente da origem, é então explorado e se possível intensificado violentamente, para justificar as iniciativas que ali se pretende implantar.

É comum que inicialmente o valor dos imóveis seja reduzido. Para tanto, a área passa a ser privada de infra-estrutura básica, apresentando problemas simples de coleta de lixo, violência desenfreada, transporte público, sendo servida de forma deficiente por escolas e postos de saúde.
Estas ações tornam desinteressante que os pequenos proprietários mantenham sua propriedade. Nesta etapa, em que o poder público se omite em oferecer serviços que seriam obrigatórios, se intensifica a estagnação econômica já previamente existente, o que atinge de forma arrasadora o espaço, transformando a mera decadência em colapso.

Este quadro de "abandono" é pintado cuidadosamente, posto que operado, e difundido nos meios de comunicação, que reforçam os espaços em questão como inseguros, focos de violência e perniciosos. Mesmo a política de preservação é utilizada para esta manobra - a "obrigatoriedade" de manter as edificações frente ao completo desinteresse econômico da área é utilizada como argumento para a compra destes imóveis por valores bastante reduzidos. Com isto, os imóveis são adquiridos dos moradores, herdeiros ou proprietários de pequenos negócios no local, ficando concentrados nas mãos de poucos investidores, como reservas especulativas.

Quando tais proprietários já estão em poder de parcela considerável do espaço em questão, a sua "revitalização" torna-se subitamente uma pauta pública, difundida como solução positiva para reabilitar econômica e socialmente uma área. O apelo de revitalização é fácil, pois vem de resposta a perguntas recentemente plantadas na sociedade. O alto investimento público é justificado pelas melhorias funcionais, estéticas e mesmo investimentos ditos culturais, com a recuperação de imóveis históricos nestas áreas.

Definir quando este processo começa é difícil. Tanto o poder público como apenas a iniciativa privada podem iniciá-lo. O fato é que, independentemente do modelo adotado, com a evolução do processo eleva-se subitamente o custo de vida e o valor dos imóveis (incluso aluguéis) de toda uma área. 

É importante ressaltar que nem sempre o processo de gentrificação, em especial no seu início, tem a "cara feia" e repulsiva que se esperaria. O início deste processo pode ser espontâneo - ou pretensamente espontâneo - e provocado por iniciativas aparentemente descentralizadas, como a ocupação de edificações abandonadas por artistas, por negócios alternativos de empreendedores de classe média e média alta. Este tipo de nova ocupação costuma trazer diversidade e vida para um bairro decadente, mudando rapidamente a sua dinâmica para melhor. 
Apesar de aparentemente "positiva", este tipo de ação claramente já depende da expulsão da comunidade pré-existente estar em curso ou concluída. No fim das contas, já consiste em suplantar completamente a comunidade pré-existente, sem qualquer intercâmbio ou inserção orgânica nas estruturas sociais pré-estabelecidas. Ainda, todos os efeitos positivos que são reais, podem ser relativizados devido a efemeridade desta ocupação, pois mesmo os empreendedores de classe média e média alta e artistas são rápida e fatalmente expulsos do local na medida em que o processo avança, dando lugar a investidores melhor abastados. A dita "gentrificação hipster" já começa com os dias contados para terminar.




Placas espalhadas pelo Coletivo Consciência Coletiva em Hamburgo Velho.

Com a evolução do processo de gentrificação, mesmo os últimos moradores de baixa renda do local são obrigatoriamente removidos, seja por falta de condições de sustentabilidade devido ao alto custo de vida, seja pela expulsão no caso de áreas ocupadas de forma irregular (cuja propriedade é retomada, a despeito de previamente terem servido apenas para especulação e sem cumprimento da função social).

Executada a 'renovação urbana' sob o viés da gentrificação, o espaço passa a ser ocupado e frequentado pelas classes médias-altas ou altas, e diz-se então dele, que deixou a decadência e foi finalmente "reintegrado" a cidade.

Não há linearidade ou roteiro

O desenrolar do processo de gentrificação não se repete de forma linear e acrítica em todos os lugares. Devido às complexidades de cada centro urbano, as etapas se misturam e sobrepõem. É possível verificar que ainda assim, os fins são sempre os mesmos: a alteração na dinâmica social do local, concentração de imóveis nas mãos de investidores de alto poder aquisitivo, e a expulsão gradual ou súbita da comunidade pré-existente.

Como exemplo, verifica-se em muitos casos os imóveis já valorizados mesmo enquanto a área encontra-se aparentemente sem perspectivas e já existe campanha de difamação do local e difusão das restrições advindas de tombamentos. Note-se, que é nítido que os imóveis são inflacionados somente quando já estão sob posse dos agentes beneficiados pelo processo de gentrificação. Antigos moradores da área, que convivam com este processo, jamais conseguirão exercer propriedade da mesma forma ou comercializar os imóveis sob as mesmas premissas que estes novos proprietários, ainda que insistam. Da mesma forma, o resultado "final" do processo de gentrificação muitas vezes começa a aparecer antes mesmo da execução de qualquer obra pública ou alteração na política urbana.





Ressalte-se, também, que embora curiosamente alguns estejam tentando reabilitar a palavra "gentrificação", emprestando-lhe um sentido positivo, dificilmente estes processos serão vendidos com este nome. "Revitalização", "Renovação urbana", "Requalificação" e "Restauração" sãos os termos mais empregados para esconder um processo deste tipo.

Gentrificação é "positiva" para a preservação?

Toda a carga desumana dos processos de gentrificação costuma ser desprezada frente a solução aparentemente única que oferece para preservação do patrimônio edificado. No nosso ponto de vista, porém, costuma ser igualmente danoso à manutenção do patrimônio cultural:

 - O patrimônio cultural é apenas um interesse secundário nestes processos. Interessa na medida em que facilita a redução do valor dos imóveis, até que sejam adquiridos por empreendedores que irão exercer o valor de mercado já elevado. Por esse motivo, a recuperação física costuma ser bastante arbitrária, com a perda do conteúdo histórico das edificações a partir de obras realizadas sem o devido cuidado técnico e respeito às diretrizes de preservação. Projetos de "revitalização" sob o viés da gentrificação tendem a espetacularização do patrimônio;


- Mesmo a seleção do patrimônio cultural a ser tutelado nessas áreas costuma ser bastante arbitrária e parcial, desprezando edificações e espaços importantes para facilitar as intervenções pretendidas;

- O patrimônio cultural nestes espaços se torna apenas marketing. Esvaziado do seu conteúdo social, cultural e simbólico, desvinculado de sua origem histórica e significados, o imóvel permanece apenas como elemento estético descontextualizado e fisicamente descaracterizado. A mesma pasteurização se dá nos espaços públicos, que a longo prazo perdem justamente a vitalidade que pretendia-se resgatar;

- Ainda que se considere o mais alto zelo com o processo de restauração, é importante lembrar que o significado do patrimônio cultural vai além da manutenção das estruturas físicas. O processo de gentrificação destrói violentamente o panorama sócio-cultural pré-existente, os laços afetivos dos cidadãos com o espaço e sua vitalidade. Interrompe o ciclo histórico, idealizando e mergulhando todo espaço numa superficial atemporalidade;

- Os centros históricos são pasteurizados e tornam-se todos muito parecidos, abrigando os mesmos tipos de lojinhas, escritórios ou franquias. A experiência de conhecer um centro histórico gentrificado é enfadonha, e muito semelhante a visitação de um shopping. Os centros históricos passam de portadores da identidade local a espaços genéricos que poderiam figurar em qualquer lugar do mundo.

- O espaço urbano perde sua diversidade, dinâmica e vitalidade, uma vez que é ocupado inteiramente por comércio e proprietários de mesmas características e faixas de renda. Quando o espaço não se consolida como centro de compras para turistas, ocorre rapidamente a perda da vitalidade e retorno do processo de decadência anterior.


- O investimento público na "revitalização" multiplica-se com o investimento em habitação social, e principalmente, em infra-estrutura urbana e de transportes, uma ver que implica no deslocamento de um contingente de moradores para áreas afastadas do centro urbano.

Repensando as intervenções urbanas

Devido aos elementos abordados, julgamos infeliz e forçada a difusão do termo "gentrificação positiva". Como vimos, mesmo os pequenos aspectos positivos trazidos por um processo de gentrificação costumam ser efêmeros, com efeitos colaterais danosos e fatalmente construídos sobre a desumanização do espaço urbano.

Não é impossível pensar na reabilitação de um espaço urbano degradado sem o uso destas premissas. Basta deixar o círculo vicioso e enxergar outras possibilidades concretas. Em especial, tendo em mente que qualquer alteração na dinâmica de um espaço urbano deveria ser, evidentemente, pensada em conjunto com a comunidade local e população da cidade como um todo. Promover o direito e o acesso à cidade, elaborando planos diretores participativos, são premissas mínimas do Planejamento Urbano. Não se pode definir o futuro de uma área e de um conjunto de cidadãos por "notório saber", apenas em gabinete e escritório.


Muitos instrumentos de planejamento urbano são previstos no Estatuto das Cidades e devem ser aplicados e efetivamente regulamentados: a transferência de potencial construtivo pode resolver a inviabilidade econômica dos processos de recuperação, sem necessidade de expulsão ou nivelamento da ocupação de todo bairro por faixa social. Já o IPTU progressivo inviabiliza a manutenção de imóveis desocupados em processo de degradação, onerando a manutenção de imóveis apenas como reserva especulativa. Da mesma forma outros instrumentos existem ou podem ser criados em resposta às problemáticas locais.


 (fonte:http://www.justrenttoown.com/blog/gentrification-cultural-shift/)

Uma longa etapa de diagnóstico que permita o reconhecimento do patrimônio cultural material e imaterial, da comunidade pré-existente e suas aspirações e das potencialidades já latentes pode trazer todos os elementos para um processo de reabilitação. Cada espaço pede sua própria reabilitação urbana, que poderá ter sucesso na medida em que for pensada e organizada de forma orgânica e pertinente ao local abordado.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Inventário: Instrumento de conhecimento ou de proteção?

Saindo da perspectiva do tombamento como sinônimo de preservação, a recente multiplicação dos mecanismos protetivos ainda causa estranhamento e até polêmicas. Recorrentes casos demolição ou risco de perda de bens de interesse cultural colocaram na última década os Inventários como pauta obrigatória no campo do patrimônio cultural. Alvo de desinformações e incompreensões, o instrumento ainda está longe de ser explorado em seu máximo potencial.



 Neste pequeno artigo pretende-se problematizar de forma breve e simples a ferramenta, sob o ponto de vista do patrimônio edificado. Pretende-se explorar seu potencial e limitações, bem como as mais recorrentes incompreensões de que é alvo, contribuindo para a discussão e difusão do seu uso da forma mais eficiente possível.

1 - O que é inventariar

"Inventariar" nada mais é do que listar e descrever. Os inventários de bens históricos surgem da necessidade de sistematizar informações e levantamentos, tanto da materialidade quanto dos valores atribuídos.

Pode-se entender que esta prática já existe há muitos séculos, em especial quando viajantes exploravam os remanescentes das civilizações antigas, publicando através de desenhos e relatos as ruínas gregas e romanas. O que diferencia dos inventários atuais é a motivação: enquanto aqueles apenas exercitavam a curiosidade sobre aspectos peculiares e paisagens pitorescas, os inventários atuais tem fins de preservação.

O conceito atual de inventário - e o próprio conceito contemporâneo de patrimônio surge durante a Revolução Francesa. A revolução inicia ávida por derrubar símbolos da monarquia e das classes dominantes, mas em pouco tempo dá-se conta da necessidade de manter edificações antigas para fins de educação ou mesmo pelo seu valor artístico. Para identificar essas edificações, surgem os primeiros inventários com fins de preservação, promovidos pelo Estado.

No Brasil, os inventários ganham força com a criação em 1937 do SPHAN - Serviço de Proteção ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, precursor do atual IPHAN. Eram realizados inicialmente pelos técnicos em viagem às cidades históricas, com fins de subsidiar tombamentos nacionais.

2 - Metodologia , além da ficha

O debate da metodologia de inventário no Brasil sempre esteve muito vinculado aos modelos de ficha empregados. Nos últimos anos, foram inúmeras as mudanças nos padrões das fichas de inventário adotadas, até chegar no sistema SIG/IPHAN, que no caso dos bens imóveis, divide-se em três modelos de ficha que abordam aspectos arquitetônicos externos, internos e estudo histórico.

Alguns estados adotam sistemas paralelos para os inventários estaduais. No Rio Grande do Sul, por exemplo, adota-se o Sistema de Rastreamento Cultural do IPHAE-RS, cujo modelo de fichas M-01 traz um campo muito interessante onde se discorre sobre os valores culturais inerentes ao imóvel, suprindo uma das deficiências das fichas do IPHAN, que apenas descreve o bem.

Ficha M01 do IPHAE e sua escala de valoração, que torna a ficha mais efetiva como ferramenta de proteção.

Nos parece, porém, que o cerne da questão está muito mais na metodologia de seleção dos bens culturais, do que no modelo de fichas. Afinal, uma vez que a ficha traga de forma mais completa possível os elementos e valores que pretende-se preservar, ela será suficiente.

Utilizando os sistemas metodológicos oficiais, é recorrente a realização de inventários que curiosamente partem do resultado: escolhe-se dez edificações para estudar e adota-se as fichas padrão escolhidas. Em casos um pouco menos problemáticos, mas igualmente questionáveis, contrata-se o inventário a partir de uma poligonal pré-delimitada, e o estudo restringe-se a tudo que se inclui dentro dessa poligonal.

Parece redundante dizer que tudo deveria começar pelo começo, mas nesse caso é preciso reforçar. As áreas de interesse e o montante de bens inventariados deveriam resultar do próprio estudo, pular essa etapa e ter como ponto de partida o resultado nos parece um processo amplamente questionável. Além de comprometer a qualidade do estudo, ainda cria um passivo enorme de futuros problemas, pois os bens importantes não inventariados poderão igualmente causar polêmicas desnecessárias e longos processos. A não inclusão no inventário não implica na perda do valor cultural, mas apenas na falta de identificação prévia deste valor.

Uma boa metodologia de inventário deveria inicialmente entender o espaço estudado - seja ele rural, urbano ou metropolitano; entender os significados e a trajetória histórica do lugar e seus elementos simbólicos. Deveria, ainda, prever formas de participação da população, pois é ela que se relaciona com o lugar e tem conhecimento e informações em primeira mão (nosso artigo sobre isto aqui). A partir disso é possível selecionar de forma mais correta e abrangente os bens de interesse cultural.

3 - Inventário de Conhecimento ou Proteção?

Alguns defendem o inventário como instrumento apenas de 'conhecimento'. Seria um estudo para que, a partir do montante de bens levantados, se decidisse quais os bens mais importantes que valeriam a preservação e quais bens seriam passíveis de demolição. O próprio IPHAN utilizou-se, durante muito tempo, do termo "inventário de conhecimento", ainda amplamente utilizado por alguns dos institutos estaduais.

 Tal decisão traz, no entanto, uma enorme incoerência metodológica. Sabemos que a Constituição Federal, artigo 216, define o conceito de patrimônio cultural brasileiro empregado oficialmente no Brasil. Tendo isto em vista, uma vez que o estudo realizado atribui os requisitos constitucionais a determinados bens, automaticamente está definindo tais bens como patrimônio cultural. E portanto, patrimônio cultural tutelado, pois não existe a figura do patrimônio cultural passível de desaparecimento na legislação brasileira.

Ou seja: o estudo do inventário comprova a vinculação aos requisitos constitucionais (portador de referência à identidade, memória, ação dos diferentes grupos (...)) aos bens arrolados. Ele passa a estar identificado como patrimônio cultural, e vinculado a toda legislação existente. Desta forma, indiretamente todo inventário é de "proteção" ainda que esta não seja a intenção de quem o realiza, uma vez que identifica o patrimônio cultural, e todo o patrimônio cultural brasileiro tem proteção constitucional.

É importante esclarecer que isso não significa que todo e qualquer bem que será estudado para a formalização do inventário passe a integrar o patrimônio cultural brasileiro, o que inviabilizaria qualquer pesquisa. A metodologia de formatação da pesquisa de inventário precisa estar bem alinhavada, pois ela que vai definir o que, afinal, integra e o que não integra de forma definitiva o inventário, tendo declarado seu status de patrimônio cultural. Eventualmente descobrir-se-á que algum bem pré-levantado não é portador dos valores culturais que se pensava inicialmente, e neste caso o bem não integrará o inventário.


4 - Inventário como ponto de partida para políticas de preservação

 O inventário enquanto ferramenta isolada tem efeitos modestos. Centenas de municípios tem inventários bastante completos há muitas décadas e jamais utilizaram, tornando-se meros estudos de gaveta. É importante pensar o Inventário como o ponto de partida para a criação das políticas de preservação, e não como ponto final ou como pré-estudo para alguns tombamentos.

Através do inventário é possível conhecer e mapear todo o montante do patrimônio cultural edificado da área estudada. Também pode-se verificar onde encontram-se concentrados os bens, formando conjuntos ou percursos; ou onde estão isolados. A partir disso, pode-se entender com o que está se lidando, e desenvolver as melhores ferramentas de proteção para cada caso.

A criação de um conselho, formatação de uma equipe técnica quando possível, instituição de um fundo municipal de patrimônio cultural, estabelecimento de isenções fiscais, regulamentação da ferramenta de transferência de potencial construtivo, interação com o planejamento urbano, iniciativas de rotas e percursos turísticos são algumas das ações possíveis a partir dos dados levantados em inventário.

5 - Inventário como subsídio para o Planejamento Urbano

 O inventário tem sido menosprezado como ferramenta de planejamento urbano. Pode-se afirmar que no geral, ocorre "apesar" do planejamento urbano, e normalmente na etapa posterior. Uma vez que o patrimônio cultural representa tudo que tem valores culturais e paisagísticos na cidade pré-existente, nos parece impossível que se proceda o planejamento urbano sem levá-lo em consideração.

Desta feita, o inventário do patrimônio cultural edificado atualizado deveria ser pré-requisito para a formulação de qualquer plano diretor. O risco de fazê-lo em etapa posterior, como de praxe, é se deparar com incoerências entre o que se pretende preservar e o que a cidade prevê como futuro. Por exemplo, ter bens de pequeno porte inventariados em áreas que se pretende adensar e promover construções em altura tornam o bem histórico obsoleto e desinteressante, promovendo de forma indireta sua provável demolição ou deterioração. Ou a clássica situação da previsão de alargamento de vias sobre prédios inventariados.

O Planejamento Urbano deveria, assim, contemplar a preservação através de zoneamentos compatíveis. A título de exemplo, um bairro com grande concentração de residências unifamiliares de valor cultural, ainda que não tão elevado, pode ser protegido também pelo zoneamento no Plano Diretor, limitando a altura e taxa de ocupação para manutenção das características paisagísticas. Os imóveis inventariados, uma vez que enquadrados dentro desta volumetria do Plano, não tornam-se obsoletos e haverá menos assédio para sua demolição.

Conjuntos históricos como o de Garibaldi (RS) mereceriam tombamento em conjunto, assegurando não apenas a preservação das unidades mas da harmonia da paisagem.

Da mesma forma, uma concentração de bens de elevado interesse cultural caracterizam um sítio histórico, passível de tombamento em conjunto e da gravação de áreas de interesse cultural com regime urbanístico próprio. Já os bens isolados de elevado valor cultural demandam um reconhecimento mais efetivo através de legislação própria de proteção ao inventário ou do tombamento da unidade, uma vez que neste caso a proteção não significará uma manutenção do regime urbano de uma área zoneada, mas a peculiaridade de uma unidade.

6 - Inventário como subsídio para decisões dos conselhos e órgãos técnicos

 A qualidade do inventário determina a qualidade das decisões dos conselhos e órgãos técnicos. Por este motivo, o material levantado deve ser bastante completo e frequentemente atualizado. A entrada de projetos de restauração, reformas ou demolição é frequente, e a ficha de inventário deveria trazer todos os subsídios necessários para a tomada de decisões por parte do órgão técnico.

Devem estar claros todos os elementos com interesse de manutenção: roda-forros, forros, ladrilhos hidráulicos, esquadrias externas e internas, coberturas, calçadas, portões e demais bens integrados. Desta forma, é possível comparar a proposta de intervenção com a pré-existência, evitando que se autorize a descaracterização por falta de conhecimento.

7 - Eficiência do inventário como ferramenta de preservação


O tombamento ainda é a ferramenta mais efetiva para a proteção dos bens culturais, devido à ampla legislação e jurisprudência existente. Por ser a forma de proteção mais conhecida e aceita há tantos anos, é a forma de proteção a qual se deve recorrer para os bens com elevado valor cultural (seja pelo viés artístico, histórico, paisagístico, simbólico ou afetivo).

É importante destacar que o inventário não é um "tombamento mais brando". É uma ferramenta de preservação sob a perspectiva do planejamento urbano, mais dinâmica que o tombamento mas nem por isso menos embasada, e que deve ser entendida em sua dimensão própria.

A eficiência do inventário como instrumento é muito relativa a qualidade da legislação municipal que será construída em seu respaldo. Sem respaldo na legislação municipal, o patrimônio inventariado segue protegido pelas disposições constitucionais. Neste caso infelizmente a proteção é indireta e demanda longos processos judiciais. Mas quando a legislação municipal de proteção aos bens inventariados é bem construída, não deixa margem para interpretações equivocadas e está em harmonia com o planejamento urbano da cidade, a ferramenta mostra-se bastante eficiente.
 

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Apontamentos sobre os Conselhos Municipais de Patrimônio Cultural

As responsabilidades relativas a preservação do patrimônio cultural brasileiro atingem todas as esferas do poder público desde a Constituição de 1988. Na estruturação das políticas municipais, a criação de um Conselho Municipal de Patrimônio Cultural figura desde então como peça chave para o melhor funcionamento das políticas de identificação, salvaguarda e recuperação do patrimônio edificado.


O modelo, no entanto, está longe de estar completamente testado e em funcionamento. Inúmeros casos demonstram a fragilidade dos Conselhos Municipais, acometidos por incompreensões, distorções legais ou até mesmo, problemas na composição do próprio colegiado.
Este pequeno artigo visa problematizar algumas questões relativas ao funcionamento dos conselhos municipais de patrimônio cultural, construído a partir de experiências e relatos colhidos em diversos municípios. Busca trazer alguns elementos e reflexões, sem a pretensão de esgotar o tema, que certamente merece debates bem mais aprofundados.

Conselhos Municipais de Patrimônio Cultural como ferramenta de participação

O patrimônio cultural é um tema em constante dilatação e redimensionamento. É um campo de eternas disputas conceituais e metodológicas. Absorvendo este debate, a própria Constituição Federal de 1988 reconhece que o tema deve ser construído em conjunto com a comunidade:

" Art. 216. § 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação."

São inúmeras as maneiras de promover a participação da comunidade, algumas mais efetivas, outras meramente figurativas. A criação de um Conselho Municipal de Patrimônio Cultural com participação da comunidade nos parece uma das ferramentas mais efetivas para promover a participação direta da comunidade nas decisões que envolvem o patrimônio cultural do município.

A polêmica da composição dos Conselhos Municipais de Patrimônio Cultural

Um dos pontos mais problemáticos a respeito dos Conselhos Municipais de Patrimônio Cultural diz respeito a composição do Conselho. Como definir quais e quantos cidadãos e entidades tem legitimidade para compor o Conselho? 

A primeira questão que se impõe é a origem das vagas. É evidente que o poder público precisa estar presente, sendo ele o principal responsável legal pela execução das demandas que serão debatidas. No entanto, a presença maciça de vagas destinadas ao poder público, em detrimento às vagas destinadas à comunidade no geral inviabilizam um debate verdadeiramente democrático e igualitário.

Desnecessário lembrar que no sistema político atual, em grande parte das cidades, temos uma relação bastante promíscua dos poderes públicos com empresas da construção civil e do ramo imobiliário por conta dos financiamentos de campanha. No geral, as vagas destinadas a Prefeitura estão suscetíveis exatamente a este assédio do poder econômico, motivo pelo qual é problemático que a maioria da composição de um Conselho tenha vinculação direta ou mesmo indireta com o poder público.

Um Conselho de Patrimônio Cultural que apresente mais de 1/2 de vagas destinadas de forma direta ou indireta ao poder público, não cumpre sua função de promover a participação da comunidade. Acaba servindo apenas como instrumento de legitimação de decisões já tomadas pelo poder público, revestindo estas decisões de uma máscara democrática. Desta forma não haveria necessidade da composição de um Conselho.

Os "conselhões"


Temos visto em grande parte dos casos, a constituição em lei de conselhos gigantescos, com dezenas de vagas, em que praticamente toda e qualquer associação, ong, autarquia pública e sindicato do município garante sua vaga no Conselho de Patrimônio.
É importante destacar que a procura por este tipo de Conselho, quando em funcionamento,  é gigantesca, inviabilizando uma composição muito exagerada que inviabiliza a frequência de reuniões com quórum suficiente.


A Casa Faller de Campo Bom, inventariada em 1996, foi considerada sem valor cultural por decisão de conselho municipal. A composição deste conselho é bastante duvidosa, pois não prevê vagas para a sociedade civil organizada pela preservação.

 Quem deveria participar do Conselho?

Quanto às entidades participantes de um Conselho, cabe retomar que a Constituição Federal Art. 216  convoca a comunidade para  PROMOVER e PROTEGER o patrimônio cultural brasileiro. Uma disposição tão simples deveria, ao nosso ver, servir de norte para a seleção. A entidade em questão tem como objetivo promover e proteger o patrimônio cultural? Ou, apesar de finalidades afins, efetivamente em sua prática promove e protege o patrimônio local?
Muitas entidades podem ter representatividade e importância para o município, mas não necessariamente tem como contribuir num Conselho de Patrimônio Cultural, que tem acima de tudo, essa tarefa constitucional de promover e proteger o patrimônio cultural local. Para que o Conselho e a administração pública travem debates e diálogos com todos os setores envolvidos na construção da cidade, não se demanda necessariamente uma vaga em um Conselho! Tais entidades, autoridades e cidadãos podem ser convocados para reuniões e audiências, consultados por ofício ou tantas outras formas de participação que não implicam, necessariamente, uma cadeira no colegiado.

Destaca-se, então, a completa ineficácia da destinação de vagas em um Conselho de Patrimônio Cultural para associações comerciais, industriais, profissionais, autarquias públicas de fiscalização profissional, OAB, Corpo de Bombeiros e tantas entidades que curiosamente vemos com frequência figurar na nominata de Conselhos, quando não atuam diretamente na área. A não ser que, efetivamente, no caso do município, estejam ativamente promovendo e protegendo o patrimônio cultural local. Neste caso, é muito proveitoso que constem na nominata, contanto que, no caso de autarquias e quaisquer entes ligados ao poder público, figurem na composição enquanto vagas destinadas ao poder público.

 Desastrosa reforma aprovada em São Leopoldo (RS) na Casa Wolffenbüttel. Laudo técnico do IPHAE apontou diversas inconsistências do projeto, no entanto este laudo foi ignorado pelo Conselho e até mesmo pela promotoria do MP.

Desnecessário frisar que setores vinculados a construção civil - como sindicatos patronais e afins, vinculados diretamente ao setor da construção civil e imobiliário - não tem qualquer contribuição possível enquanto ocupantes de cadeira em um Conselho. O setor imobiliário tem vinculação direta com o tema, mas da forma inversa, como vemos na prática do dia a dia no meio urbano. Uma soma de metade das vagas já relativas ao poder público, mais uma vaga voltada ao setor imobiliário, resulta na maioria versando o direcionamento do setor da construção civil - marginalizando decisões da comunidade e tirando a legitimidade do Conselho. 

É desejável que estes setores estejam em diálogo constante com os Conselhos, participando das reuniões e levando suas demandas. Mas sua participação direta nos parece um contrassenso. Assim como qualquer outro setor da economia, que tem seus objetivos específicos que são legítimos, mas não versam pontualmente pela promoção e preservação.

Efetivando a participação

Parece desejável que haja formas mais acessíveis de integrar um Conselho de Patrimônio Cultural. A destinação de vagas a entidades pré-constituídas é bastante prática, mas burocrática para possibilitar a participação do cidadão comum.
A destinação de vagas comunitárias através de eleições públicas abertas e diretas pode ser uma solução interessante. O cidadão eleito pode ter mandato por tempo limitado e eventualmente ser trocado por decisão comunitária, organizada em uma espécie de fórum popular.
É importante, no entanto, ressaltar a importância de legítima vinculação e atuação com o tema. As ferramentas de participação precisam ser testadas e retestadas para que se conheçam seus efeitos e suas fragilidades, pois no geral são de fácil coptação pelos interesses econômicos que atuam na cidade.

Casa Koch, em processo de tombamento nacional foi demolida em Hamburgo Velho - Novo Hamburgo (RS), sob a alegação de que uma rachadura inviabilizava sua restauração. A demolição foi aprovada pela Comissão, colegiado que emula um Conselho naquele município, ainda que essa não fosse sua atribuição legal. Apesar de grande consternação na comunidade e de todas ilegalidades, o caso foi arquivado pela promotoria do Ministério Público.

Conselhos de Patrimônio x Aprovação de Projetos

Nos parece que uma das grandes confusões geradas pela falta de maior especificidade na Constituição, Estatuto das Cidades e afins, é a destinação de Conselhos Municipais de Patrimônio enquanto simples instância de aprovação de projetos.

Primeiramente, cabe destacar que grande parte do Conselho, em nenhum caso, terá formação técnica adequada para avaliação de critérios básicos de preservação. Quanto menos conhecimentos relativos a construção civil. Não há qualquer sentido na análise e aprovação de memoriais descritivos e plantas técnicas por parte apenas dos Conselhos.
Por este motivo, análises técnicas deveriam evidentemente ser realizadas por equipes técnicas comprovadamente qualificadas. O parecer técnico pode ser ótimo subsídio ao debate dos Conselhos, que devem participar de todos os aspectos. É importante resguardar a autonomia dos Conselhos como instância deliberativa, evitando a sobreposição da equipe técnica sobre o colegiado. O equilíbrio é fundamental.

Um exemplo simplificado do funcionamento que nos parece mais cabível: Caberia a uma equipe técnica estudar um imóvel, estabelecendo seus valores e sugerindo uma classificação. Caberia ao conselho debater essa classificação, frente às informações atribuídas pelo técnico, deliberando a classificação da edificação. Caberia a equipe técnica analisar um projeto de intervenção nos aspectos técnicos. Caberia ao Conselho avaliar o impacto deste projeto, munido das considerações da equipe técnica. Caberia a equipe técnica, novamente, intermediar a aprovação de projetos entre Conselho e o proprietário/profissional envolvido na obra. Caberia a equipe técnica acompanhar a execução das obras. Caberia ao Conselho acompanhar e aconselhar a equipe técnica. Etc.
Sabemos que é impossível para todos os pequenos municípios a contratação de equipe técnica qualificada. Como existe co-responsabilidade do Estado e União, esperar-se-ia que as equipes técnicas dos Institutos de patrimônio pudessem prestar esse apoio técnico, que são sua responsabilidade legal. No entanto, desamparados em número de profissionais alocados e sobrecarregados de demandas das mais diversas, estes setores raramente são procurados para estes fins. No caso do IPHAN, o órgão historicamente não tem cumprido esse papel, recusando-se a deliberar sobre bens não tombados a nível federal - ainda que tal alegação seja inconstitucional.

Responsabilidade dos conselheiros

O Conselheiro, ainda que seja voluntário, exerce cargo público. Como lembra José Rodrigues, pode ser responsabilizado como funcionário público:

"É preciso também que o membro do colegiado esteja consciente de suas responsabilidades perante a lei penal. Isto porque, segundo o artigo 327 do Código Penal, ele é considerado funcionário público, eis que exerce uma função público, a de conselheiro, embora de caráter transitório e sem remuneração. Destarte, dependendo das atitudes que tomar, o conselheiro, na condição de funcionário público, poderá ser sujeito ativo dos delitos inscritos no código penal."
RODRIGUES, José Eduardo Ramos. Importância e responsabilidade dos conselhos municipais do patrimônio cultural in Mestres e Conselheiros - Manual dos agentes do patrimônio cultural. Belo Horizonte: IEDS, 2009.

A conduta do Conselheiro pode, portanto, ser questionada, sempre que não verse pela promoção e preservação do patrimônio cultural brasileiro. É comum vermos a sobreposição de interesses não legítimos povoando os conselhos, de forma a torná-los mais "eficientes" para determinados setores. Por este motivo, é recomendável que cada conselheiro anexe junto às atas seu parecer individual a respeito das pautas mais importantes. Desta forma pode se resguardar de ser responsabilizado por decisões que, ainda que tomadas por maioria, não concorda.

Ainda, o Conselheiro não pode agir como um consultor da sua área de especialidade. O Conselho é uma instância colegiada para tomada de decisões importantes, das quais todos devem participar e, uma vez que participam, são co-responsáveis. Um historiador que só opina em questões históricas, um arquiteto que só opina em questões técnicas da obra está se omitindo no seu papel de conselheiro.

Representatividade dos Conselheiros
 
Em municípios pequenos, muitas vezes o Conselho de Patrimônio acaba adquirindo conotação de sociedade civil organizada, militando pela preservação. Cumprem a lacuna da não existência de movimentos organizados pela preservação, o que nem sempre é proveitoso, uma vez que confunde esferas de atuação e a própria diferenciação entre o público e o privado.

Os Conselhos são colegiados, e  cada conselheiro pode ter posicionamentos e opiniões diferentes para cada assunto. Apresentar-se como "representante do Conselho" é bastante duvidoso, mesmo para Presidentes eleitos - uma vez que opiniões somente podem ser emitidas pelo colegiado quando este efetivamente se reúne com quórum e debate os temas. Cada entidade e cidadão dentro de um Conselho representa sua entidade/comunidade, e deveria manter sua independência. Não nos parece nada desejável que o Conselho abrigue apenas unanimidade.

Se todos versam pela preservação, não haverá debate?

 É comum que se acredite que o Conselho seja o espaço para o embate entre preservacionistas e proprietários ou interessados nas demolições. Tal situação subestima ou mesmo, escamoteia a principal função dos Conselhos. O Conselho serve para cumprimento de deveres constitucionais do poder público e da comunidade, que não deveriam ser dificultados por conflitos inócuos e tacanhos.

A diversidade de opiniões sempre será uma característica de colegiados democráticos, ainda que o Conselho deva reunir apenas cidadãos e entidades interessados na "promoção e preservação" do patrimônio cultural. As subjetividades ligadas ao tema do patrimônio cultural são muitas e certamente influenciam nas decisões.

Potencial de funcionamento dos Conselhos

 Os Conselhos Municipais, devidamente formatados com uma composição equilibrada entre poder público e sociedade civil, quando contemplam entidades e cidadãos que promovem e protegem o patrimônio local, podem se tornar grandes propulsores do desenvolvimento das políticas de preservação do município.

Por isto, é importante que haja a dinâmica necessária para a inclusão de novos bens, imateriais e imateriais, nas listas de preservação e tombamento, tornando o processo o mais participativo e fluído possível. O Conselho deveria conhecer as demandas da cidade e encontrar possíveis soluções.
O Conselho também deveria ter a gerência sobre um Fundo Municipal de Patrimônio Cultural, abastecido por origens diversas (inclusive multas ambientais ou culturais). Desta forma pode adquirir certa autonomia para desenvolvimento de algumas ações e contratação de determinados trabalhos.

A grande maioria dos municípios sequer constituiu um Conselho Municipal de Patrimônio Cultural. Por mais problemática que seja a trajetória, é através da constatação dos eventuais equívocos que a situação pode evoluir. Garantir crescentemente maior transparência e participação comunitária em todo o processo nos parece ser um direcionamento interessante, capaz de evoluir esta ferramenta de preservação.