terça-feira, 21 de agosto de 2012
Despessoalizando a discussão: Patrimônio Cultural e Políticas Públicas
Muito embora as ações pela preservação do patrimônio cultural brasileiro tenham começado de forma vanguardista, com mais força a partir já da década de 1930, a temática ainda está longe de restar resolvida e apaziguada.
A tensão entre os direitos difusos e coletivos de preservação do patrimônio cultural em contraponto com interesses econômicos particulares costumam pautar a discussão, gerando intermináveis contendas e atritos desnecessários. A desinformação no geral impera, também devido ao pouco comprometimento dos veículos de comunicação na pacificação do tema com informações precisas.
Esse constante desgaste entre os cidadãos interessados na defesa do patrimônio e os proprietários causa rusgas intermináveis, que poderiam e deveriam ser evitadas. O mal estar que cerca o tema devido a estas desnecessárias contendas acaba por afastá-lo da pauta cotidiana que deveriam habitar.
Defender o patrimônio cultural é lutar por políticas públicas
A "despessoalização" do tema é uma necessidade urgente. Casos pontuais e isolados nos servem para entender as consequências do momento atual, mas não podem se transformar no foco único da luta pela preservação.
Posicionar-se contra uma demolição de prédio com interesse de preservação não é, ou não deve ser, posicionar-se contra o proprietário. Dentro do deserto cultural em que vivemos, precisamos chegar ao entendimento que intervenções desastrosas, anexos mal projetados e mesmo demolições integrais são frutos diretos de uma política pública de patrimônio cultural que ou inexiste ou simplesmente não funciona.
A política municipal de patrimônio cultural coloca-se, então, como uma necessidade, imposta pela legislação federal e na prática, necessária para apaziguar a situação alarmante que vivemos.
A demonização de proprietários apenas desfoca o problema: se esquece da causa e se briga contra a consequência. A ausência de inventários de patrimônio cultural eficientes, de correta regulamentação no Plano Diretor, de tombamentos, de Conselhos de Patrimônio Cultural legalmente constituídos, com autonomia, participação da sociedade civil e pleno funcionamento; enfim, a ausência completa de qualquer tipo de política pública que funcione de fato, torna completamente impossível a preservação criteriosa do patrimônio histórico de nossas cidades.
Alternativas existem, mas precisam ser esclarecidas
Devemos lembrar que a necessidade de preservação do patrimônio é uma realidade, com os devidos embasamentos legais. Colocar o tema em pauta com maturidade também passa pela necessidade de esclarecer os caminhos e soluções para viabilizar a preservação.
Num momento em que a importância do tema é cada vez mais discutida e colocada na pauta das cidades, é insustentável que as municipalidades se furtem da sua responsabilidade de regulamentar a situação. Já tarda a aplicação de instrumentos consagrados como a transferência de índice, dentro de um Plano Diretor bem pensado. Projetos completos que venham a valorizar o patrimônio cultural como parte inseparável do futuro da cidade, e que tragam alternativas concretas aos proprietários, devem começar a ser pensados o quanto antes. A cidade e o interesse público só teriam a ganhar.
terça-feira, 31 de julho de 2012
quarta-feira, 25 de julho de 2012
Ponto de partida: o inventário de patrimônio cultural
Apesar de ainda extensamente maltratado, o nosso patrimônio cultural nunca esteve tão em evidência. Restaurações e projetos culturais diversos tem funcionado como uma forma de "educação patrimonial" involuntária, permitindo que aos poucos algumas comunidades percebam na prática a importância do patrimônio que conta sua própria trajetória, e com o qual convivem diariamente.
Este processo de valorização, que teve como propulsora a Constituição de 88 e recentemente, o Estatuto das Cidades, infelizmente não tem se dado de forma pacífica. Os poucos projetos de educação patrimonial, junto a alguns bons exemplos que tem pipocado nas mais longínquas comunidades, despertam a consciência em parcelas da sociedade civil. Devidamente sensibilizadas para a importância do patrimônio cultural, e eventualmente conscientes dos direitos coletivos e difusos que sobre ele pesam, essas comunidades têm unidos esforços em prol da manutenção de edificações históricas importantes para a identidade local.
Essa importância que é atribuída pela sociedade é a mais importante, por ser sincera e expontânea: trata-se do valor afetivo, que pode ou não estar acompanhado dos nosso reconhecidos valores histórico, artístico, etnográfico e afins.
O embate entre o interesse coletivo, que é autêntico interesse público, e alguns interesses individuais, tem gerado conflitos homéricos em dezenas de cidades. E este debate é interminável, e o desfecho de forma justa completamente impossível enquanto este não for direcionado para o foco correto.
A demonização de proprietários não tem se mostrado efetiva para a valorização do patrimônio cultural: sem respaldo de incentivos municipais, de definição correta no Plano Diretor e sem sequer levantamento de valores e do que deve ser preservado, de fato em determinados casos o proprietário tem toda razão de sentir-se agredido. Infelizmente verificamos na prática a ampla utilização listagens incompletas e sem embasamento técnico, a ausência completa de critérios sérios para definição de valores e mesmo, deliberações arbitrárias por parte de conselhos para liberar demolições aqui e proibir acolá.
Porém, não podemos esquecer da importância do patrimônio cultural para a qualidade do meio urbano, para assegurar a identidade local e mesmo, como potencial econômico turístico para os municípios. Não podemos deixar de lado o DIREITO ao patrimônio cultural, amplamente assegurado na Constituição Federal e legislação brasileira. Não podemos "sufocar" a consciência que começa a surgir a favor da manutenção do patrimônio, desanimando-a permitindo a demolição de bens importantes e com os quais as comunidades nutrem vínculos afetivos.
A necessidade de um bom inventário
Falta-nos, e isto é muito geral, o "ponto de partida": a regulamentação da política de patrimônio municipal, que venha em encontro das disposições constitucionais e consiga mediar os conflitos de interesses, sempre primando pela prevalência do que é interesse público sem perder o foco na viabilização da preservação.
A esmagadora maioria das cidades não tem um Inventário de Patrimônio Cultural. Quando os tem, são desatualizados ou não estão devidamente dentro dos padrões do IPHAN. Muitas vezes são fichas soltas, e não estudos sérios derivados de ampla pesquisa bibliográfica, documental levantamentos in loco e entrevistas orais. Como cada cidade tem uma formação urbana diferente, cada local traz subsídios diferentes para a valorização de características importantes, que podem variar radicalmente entre si.
Os estudos de inventário não podem ser uma mera atividade de varredura nas ruas em busca do "pitoresco". Incentivar este tipo de trabalho irresponsável infelizmente tem sido comum até por parte de alguns órgãos que deveriam zelar pelo patrimônio cultural brasileiro. Este fato mostra-se lamentável, uma vez que perde-se a oportunidade de fazer um estudo definitivo, perdendo-se na eterna discussão de valores que deriva de listagens mal embasadas.
Um estudo urbanístico multidisciplinar sério precisa necessariamente ser empreendido, para que se descubra o que de fato tem valor no contexto da cidade, e ainda para delimitar quais as áreas de interesse cultural possíveis, avaliadas não a partir de gostos individuais, mas de recorrências de fenestrações, alinhamentos, alturas, etc.
Não podemos esquecer, ainda, que um inventário como um documento de fichas "estáticas" é completamente ultrapassado. Para lidar com a dinâmica da cidade e da cultura, os inventários precisam estar em constante atualização, devem ser instrumentos digitais georreferenciados através de Sistema de Informação Geográficas, para potencializar seu uso no planejamento urbano, por parte dos Conselhos municipais e ainda por secretarias afins.
O inventário é um instrumento importante e deve ser levado a sério. Ele define quais as edificações tem interesse para preservação e portanto, define boa parte do "futuro" da cidade. Por isto, não pode ser subestimado de forma irresponsável.
Além do inventário
A mera contratação de um inventário, no entanto, resolve apenas parte do impasse. Apesar de este definir com embasamento técnico e social o que é indispensável para a cidade, evitando algumas das constantes arbitrariedades que permeiam as decisões, ainda assim corre-se o risco de que o inventário seja uma proteção secreta, como um "tombamento brando".
No entanto, não podemos enxergar o inventário como uma forma de determinar a proteção e não vincular responsabilidades a todas as partes. Ou seja, ele não pode, ou não deveria significar o poder público "mandando preservar" e não dando caminhos. Ele pode e deve ser um instrumento forte de preservação e até prescindir do tombamento em determinados casos, porém, tudo deve estar devidamente regulamentado.
É preciso apresentar alternativas reais e viáveis para que o que foi definido para preservação seja, de fato, preservado. Do contrário, não será: nem mesmo o consagrado tombamento mostra-se efetivo quando distante da realidade e quando alternativas não são apresentadas. Por isso, apresentar caminhos através de fundos de auxílio, projetos coletivos de recuperação, busca de apoio, planejamento urbano favorável, enfim: a coisa precisa funcionar sozinha para que não crie ainda mais conflitos.
Encarar o tema de frente é preciso, viabilizando a completa regulamentação municipal do patrimônio cultural. O caminho é longo, mas os direitos estão assegurados na Constituição e precisam ser contemplados, evitando eternas contendas. Mas antes de tudo, é preciso dar a partida: os municípios necessitam urgentemente um bom inventário do patrimônio cultural.
Este processo de valorização, que teve como propulsora a Constituição de 88 e recentemente, o Estatuto das Cidades, infelizmente não tem se dado de forma pacífica. Os poucos projetos de educação patrimonial, junto a alguns bons exemplos que tem pipocado nas mais longínquas comunidades, despertam a consciência em parcelas da sociedade civil. Devidamente sensibilizadas para a importância do patrimônio cultural, e eventualmente conscientes dos direitos coletivos e difusos que sobre ele pesam, essas comunidades têm unidos esforços em prol da manutenção de edificações históricas importantes para a identidade local.
Essa importância que é atribuída pela sociedade é a mais importante, por ser sincera e expontânea: trata-se do valor afetivo, que pode ou não estar acompanhado dos nosso reconhecidos valores histórico, artístico, etnográfico e afins.
O embate entre o interesse coletivo, que é autêntico interesse público, e alguns interesses individuais, tem gerado conflitos homéricos em dezenas de cidades. E este debate é interminável, e o desfecho de forma justa completamente impossível enquanto este não for direcionado para o foco correto.
A demonização de proprietários não tem se mostrado efetiva para a valorização do patrimônio cultural: sem respaldo de incentivos municipais, de definição correta no Plano Diretor e sem sequer levantamento de valores e do que deve ser preservado, de fato em determinados casos o proprietário tem toda razão de sentir-se agredido. Infelizmente verificamos na prática a ampla utilização listagens incompletas e sem embasamento técnico, a ausência completa de critérios sérios para definição de valores e mesmo, deliberações arbitrárias por parte de conselhos para liberar demolições aqui e proibir acolá.
Porém, não podemos esquecer da importância do patrimônio cultural para a qualidade do meio urbano, para assegurar a identidade local e mesmo, como potencial econômico turístico para os municípios. Não podemos deixar de lado o DIREITO ao patrimônio cultural, amplamente assegurado na Constituição Federal e legislação brasileira. Não podemos "sufocar" a consciência que começa a surgir a favor da manutenção do patrimônio, desanimando-a permitindo a demolição de bens importantes e com os quais as comunidades nutrem vínculos afetivos.
A necessidade de um bom inventário
Falta-nos, e isto é muito geral, o "ponto de partida": a regulamentação da política de patrimônio municipal, que venha em encontro das disposições constitucionais e consiga mediar os conflitos de interesses, sempre primando pela prevalência do que é interesse público sem perder o foco na viabilização da preservação.
A esmagadora maioria das cidades não tem um Inventário de Patrimônio Cultural. Quando os tem, são desatualizados ou não estão devidamente dentro dos padrões do IPHAN. Muitas vezes são fichas soltas, e não estudos sérios derivados de ampla pesquisa bibliográfica, documental levantamentos in loco e entrevistas orais. Como cada cidade tem uma formação urbana diferente, cada local traz subsídios diferentes para a valorização de características importantes, que podem variar radicalmente entre si.
Os estudos de inventário não podem ser uma mera atividade de varredura nas ruas em busca do "pitoresco". Incentivar este tipo de trabalho irresponsável infelizmente tem sido comum até por parte de alguns órgãos que deveriam zelar pelo patrimônio cultural brasileiro. Este fato mostra-se lamentável, uma vez que perde-se a oportunidade de fazer um estudo definitivo, perdendo-se na eterna discussão de valores que deriva de listagens mal embasadas.
Um estudo urbanístico multidisciplinar sério precisa necessariamente ser empreendido, para que se descubra o que de fato tem valor no contexto da cidade, e ainda para delimitar quais as áreas de interesse cultural possíveis, avaliadas não a partir de gostos individuais, mas de recorrências de fenestrações, alinhamentos, alturas, etc.
Não podemos esquecer, ainda, que um inventário como um documento de fichas "estáticas" é completamente ultrapassado. Para lidar com a dinâmica da cidade e da cultura, os inventários precisam estar em constante atualização, devem ser instrumentos digitais georreferenciados através de Sistema de Informação Geográficas, para potencializar seu uso no planejamento urbano, por parte dos Conselhos municipais e ainda por secretarias afins.
O inventário é um instrumento importante e deve ser levado a sério. Ele define quais as edificações tem interesse para preservação e portanto, define boa parte do "futuro" da cidade. Por isto, não pode ser subestimado de forma irresponsável.
Além do inventário
A mera contratação de um inventário, no entanto, resolve apenas parte do impasse. Apesar de este definir com embasamento técnico e social o que é indispensável para a cidade, evitando algumas das constantes arbitrariedades que permeiam as decisões, ainda assim corre-se o risco de que o inventário seja uma proteção secreta, como um "tombamento brando".
No entanto, não podemos enxergar o inventário como uma forma de determinar a proteção e não vincular responsabilidades a todas as partes. Ou seja, ele não pode, ou não deveria significar o poder público "mandando preservar" e não dando caminhos. Ele pode e deve ser um instrumento forte de preservação e até prescindir do tombamento em determinados casos, porém, tudo deve estar devidamente regulamentado.
É preciso apresentar alternativas reais e viáveis para que o que foi definido para preservação seja, de fato, preservado. Do contrário, não será: nem mesmo o consagrado tombamento mostra-se efetivo quando distante da realidade e quando alternativas não são apresentadas. Por isso, apresentar caminhos através de fundos de auxílio, projetos coletivos de recuperação, busca de apoio, planejamento urbano favorável, enfim: a coisa precisa funcionar sozinha para que não crie ainda mais conflitos.
Encarar o tema de frente é preciso, viabilizando a completa regulamentação municipal do patrimônio cultural. O caminho é longo, mas os direitos estão assegurados na Constituição e precisam ser contemplados, evitando eternas contendas. Mas antes de tudo, é preciso dar a partida: os municípios necessitam urgentemente um bom inventário do patrimônio cultural.
quinta-feira, 24 de maio de 2012
Taquara (RS) - A encruzilhada do turismo na contramão da história
Taquara é uma cidade ímpar dentro do contexto do Vale do Paranhana e do próprio Rio Grande do Sul. Nascida como sede de um processo de colonização alemã movido por particulares, a Colônia de Santa Maria do Mundo Novo, a cidade funciona até hoje como uma espécie de "capital" daquela microrregião, tanto em termos econômicos quanto sócio-culturais.
A cidade apresenta ainda um conjunto significativo do auge de seu centro urbano, grande parte no estilo eclético e Art Déco. Trata-se de um impressionante sítio histórico relativo a imigração alemã, sendo um dos últimos minimamente preservados no Estado.
As edificações públicas e particulares deste município apresentam peculiaridades em relação a outras cidades da região, existindo um contexto cultural e arquitetônico riquíssimo ainda pouco explorado pelo meio acadêmico.
Não bastasse a importância e beleza do conjunto histórico e da paisagem urbana, Taquara ainda localiza-se em ponto estratégico, no caminho da mais importante rota turística: a serra gaúcha, mais especificamente, Gramado.
Infelizmente toda esta riqueza cultural e potencial turístico passam por um momento trágico. Nunca Taquara demoliu tanto e tão rápido o que tem. Nunca esta cidade buscou com tanto vigor, tornar-se feia e genérica.
O conjunto histórico de Taquara vai ficando "banguela", com algumas demolições em meio aos conjuntos. Algumas torres começam a ser plantadas em meio a paisagem cultural típica. Alguns prédios históricos vão ficando desqualificados, com a sumária substituição de esquadrias por "blindex" ou mesmo pela transformação volumétrica. Atentados de todos os tipos contra todas as convenções internacionais reconhecidas. Mesmo quando não se perde a integridade do prédio, se perde o contexto ou o valor documental com reformas absurdas. É difícil citar bons exemplos de intervenções recentes que não tenham desfigurado significativamente o valor histórico das edificações.
Taquara está geograficamente na "encruzilhada do turismo", mas agora escolhe seguir a contramão da história e desvalorizar e demolir tudo aquilo que até então manteve, e cuja perda é irreversível.
Em detrimento a qualidade de vida, dos direitos adquiridos na Constituição Federal, à revelia do Estatuto das Cidades e prejudicando o potencial turístico (que também é econômico), Taquara destrói diariamente sua identidade, com a conivência dos mais diversos órgãos e da própria sociedade.
Haverá tempo para reverter um quadro tão crônico? Quais interesses estão envolvidos nessas demolições, e a quem elas beneficiam? São questões de fácil resposta. Taquara carece de um inventário de patrimônio cultural. Carece de um Conselho de Patrimônio. Carece de tombamentos e de bons exemplos de resgate. Coisas simples que poderiam mudar a cidade, gerar empregos especializados, movimentar a economia e o turismo.
Os cidadãos de Taquara deveriam se perguntar: que cidade queremos? Uma cidade do futuro, planejada, com desenvolvimento sustentável, respeito a identidade e com qualidade de vida? Ou um atrasado "american way of life" que desembarca na cidade com lapso de décadas, trazendo monstruosidades urbanas, problemas viários e uma vida caótica? Um modelo contemporâneo e qualificado, ou um grosseiro e ultrapassado desenvolvimento ignorante e sem planejamento?
Esperamos que Taquara saia logo da contramão da história, que deixe de ser uma mera encruzilhada do turismo para tornar-se de fato uma cidade com vida social e cultural atrativa, tanto para os moradores quanto para os turistas. O potencial ainda resiste. O interesse da população, órgãos de patrimônio e poderes públicos pode ser conquistado. Quem está se omitindo?
A cidade apresenta ainda um conjunto significativo do auge de seu centro urbano, grande parte no estilo eclético e Art Déco. Trata-se de um impressionante sítio histórico relativo a imigração alemã, sendo um dos últimos minimamente preservados no Estado.
As edificações públicas e particulares deste município apresentam peculiaridades em relação a outras cidades da região, existindo um contexto cultural e arquitetônico riquíssimo ainda pouco explorado pelo meio acadêmico.
Não bastasse a importância e beleza do conjunto histórico e da paisagem urbana, Taquara ainda localiza-se em ponto estratégico, no caminho da mais importante rota turística: a serra gaúcha, mais especificamente, Gramado.
Infelizmente toda esta riqueza cultural e potencial turístico passam por um momento trágico. Nunca Taquara demoliu tanto e tão rápido o que tem. Nunca esta cidade buscou com tanto vigor, tornar-se feia e genérica.
O conjunto histórico de Taquara vai ficando "banguela", com algumas demolições em meio aos conjuntos. Algumas torres começam a ser plantadas em meio a paisagem cultural típica. Alguns prédios históricos vão ficando desqualificados, com a sumária substituição de esquadrias por "blindex" ou mesmo pela transformação volumétrica. Atentados de todos os tipos contra todas as convenções internacionais reconhecidas. Mesmo quando não se perde a integridade do prédio, se perde o contexto ou o valor documental com reformas absurdas. É difícil citar bons exemplos de intervenções recentes que não tenham desfigurado significativamente o valor histórico das edificações.
Taquara está geograficamente na "encruzilhada do turismo", mas agora escolhe seguir a contramão da história e desvalorizar e demolir tudo aquilo que até então manteve, e cuja perda é irreversível.
Em detrimento a qualidade de vida, dos direitos adquiridos na Constituição Federal, à revelia do Estatuto das Cidades e prejudicando o potencial turístico (que também é econômico), Taquara destrói diariamente sua identidade, com a conivência dos mais diversos órgãos e da própria sociedade.
Haverá tempo para reverter um quadro tão crônico? Quais interesses estão envolvidos nessas demolições, e a quem elas beneficiam? São questões de fácil resposta. Taquara carece de um inventário de patrimônio cultural. Carece de um Conselho de Patrimônio. Carece de tombamentos e de bons exemplos de resgate. Coisas simples que poderiam mudar a cidade, gerar empregos especializados, movimentar a economia e o turismo.
Os cidadãos de Taquara deveriam se perguntar: que cidade queremos? Uma cidade do futuro, planejada, com desenvolvimento sustentável, respeito a identidade e com qualidade de vida? Ou um atrasado "american way of life" que desembarca na cidade com lapso de décadas, trazendo monstruosidades urbanas, problemas viários e uma vida caótica? Um modelo contemporâneo e qualificado, ou um grosseiro e ultrapassado desenvolvimento ignorante e sem planejamento?
Esperamos que Taquara saia logo da contramão da história, que deixe de ser uma mera encruzilhada do turismo para tornar-se de fato uma cidade com vida social e cultural atrativa, tanto para os moradores quanto para os turistas. O potencial ainda resiste. O interesse da população, órgãos de patrimônio e poderes públicos pode ser conquistado. Quem está se omitindo?
sexta-feira, 4 de maio de 2012
Conheça o Preserve Campo Bom
O blog Die Zeit tem o prazer de apresentar um novo projeto: o blog Preserve Campo Bom.
http://preservecampobom.blogspot.com.br/
Enquanto o Die Zeit segue trazendo a problemática da preservação do patrimônio cultural gaúcho, no blog Preserve Campo Bom será possível conhecer um pouco mais do patrimônio histórico, cultural e ambiental da cidade de Campo Bom em específico.
O objetivo do novo blog é difundir informações para promover a valorização do legado cultural daquele município. Acompanhe!
http://preservecampobom.blogspot.com.br/
Enquanto o Die Zeit segue trazendo a problemática da preservação do patrimônio cultural gaúcho, no blog Preserve Campo Bom será possível conhecer um pouco mais do patrimônio histórico, cultural e ambiental da cidade de Campo Bom em específico.
O objetivo do novo blog é difundir informações para promover a valorização do legado cultural daquele município. Acompanhe!
sábado, 21 de abril de 2012
O patrimônio que espera por um "Messias" - Sobre a necessidade de regulamentação municipal das políticas de patrimônio
A problemática da preservação do patrimônio não é uma área fechada em si, pois tem como fator determinante, a problemática do efetivo exercício de cidadania no Brasil. A falta de um pensamento maduro, com noção de coletividade e de cidadania é tanta que é muito comum que se atribua como única solução aos casos mais graves de risco de desaparecimento de bens históricos, a possibilidade de que "um investidor compre tudo e restaure".
Trata-se de um pensamento retrógrado, que perpetua o absurdo predomínio do individual e privado frente ao interesse público, sem que se busque propor soluções e diretrizes concretas.
Perde-se tempo, esforços e horas técnicas preciosas em discussões inócuas, que consistem em focar as energias neste eterno devaneio ou sondagem pró-gentrificação das áreas históricas, transferindo devidamente a culpa da situação para a sociedade que não se interessa. Poderia-se, pelo contrário, buscar alternativas para que haja finalmente regulamentação de políticas municipais de patrimônio cultural, que visem efetivar os direitos já garantidos na Constituição.
Perpetuar mal estar, baixa estima, lamúrias e perspectivas catastróficas parece ser a principal ocupação de muitos que se envolvem com o patrimônio cultural das cidades. Nos parece muito mais conveniente que se comece o quanto antes a buscar a criação de caminhos reais para garantir a continuidade do patrimônio, para que ele possa seguir testemunhando a história, mantendo a memória e identidade da cidade vivas e educando as novas gerações.
Garantir meios efetivos de proteção do patrimônio cultural (através do estudo e oficialização de inventários e áreas de interesse cultural no Plano Diretor, desconto de impostos, aplicação de mecanismos como transferência de índice, criação de fundos emergenciais e culturais, oportunidades de financiamento, etc.) são a única forma de garantir que os direitos conquistados na Constituição sejam cumpridos. É esta a principal raiz do problema da manutenção do patrimônio em nossas cidades, e que deveria ser urgentemente atacado.
O pensamento individualizador não se restringe a forma positiva (como solução), mas manifesta-se claramente também como negativa (busca de culpado). Quando não culpa-se a sociedade como um todo, transfere-se a "culpa" de perdas inestimáveis diretamente aos proprietários que demoliram o bem cultural, sem considerar a completa ineficácia ou inexistência de políticas de patrimônio que definam corretamente o bem como cultural, que regulamentem sua situação e intervenções, que traga punições pro caso de descumprimentos mas também benefícios e caminhos para facilitar a preservação.
De nada adianta educação patrimonial quando não há preservação (vamos ensinar o valor de algo que está sendo demolido por não ter 'valor', como explicar esse problema conceitual pra um discente?). Mas também não adianta preservar quando não há sociedade envolvida. A problemática do patrimônio não é simplória, certamente envolve uma série de fatores que precisam ser pensados em conjunto: educação, planejamento urbano, plano turístico, envolvimento social, pesquisa de suporte, formação de mão de obra capacitada pra restauração, etc. No entanto, ao final das contas tudo isso não passam de iniciativas administrativas simples, de custo irrelevante perto dos incontáveis benefícios coletivos e privados, sendo o principal deles a qualidade de vida da cidade. O patrimônio cultural pode transformar inclusive a economia de uma cidade, sendo uma segurança frente a instabilidade e os desvarios do mercado.
Determinadas situações acontecem quando existe um contexto. Um contexto insatisfatório como o geral hoje, gera apenas arruinamento, demolições legalizadas ou ilegais, ou a desqualificação de edificações históricas pela ausência de diretrizes adequadas e mesmo de possibilidades viáveis aos proprietários. Somente com a situação dos prédios de interesse histórico devidamente regulamentada, poderemos finalmente nos livrar da figura do "empresário messias" que, na sua infinita benevolência, é esperado ad aeternum para que de iniciativa própria, venha resolver problemas de interesse público!
Jorge Luís Stocker Jr.
Perde-se tempo, esforços e horas técnicas preciosas em discussões inócuas, que consistem em focar as energias neste eterno devaneio ou sondagem pró-gentrificação das áreas históricas, transferindo devidamente a culpa da situação para a sociedade que não se interessa. Poderia-se, pelo contrário, buscar alternativas para que haja finalmente regulamentação de políticas municipais de patrimônio cultural, que visem efetivar os direitos já garantidos na Constituição.
Perpetuar mal estar, baixa estima, lamúrias e perspectivas catastróficas parece ser a principal ocupação de muitos que se envolvem com o patrimônio cultural das cidades. Nos parece muito mais conveniente que se comece o quanto antes a buscar a criação de caminhos reais para garantir a continuidade do patrimônio, para que ele possa seguir testemunhando a história, mantendo a memória e identidade da cidade vivas e educando as novas gerações.
Garantir meios efetivos de proteção do patrimônio cultural (através do estudo e oficialização de inventários e áreas de interesse cultural no Plano Diretor, desconto de impostos, aplicação de mecanismos como transferência de índice, criação de fundos emergenciais e culturais, oportunidades de financiamento, etc.) são a única forma de garantir que os direitos conquistados na Constituição sejam cumpridos. É esta a principal raiz do problema da manutenção do patrimônio em nossas cidades, e que deveria ser urgentemente atacado.
O pensamento individualizador não se restringe a forma positiva (como solução), mas manifesta-se claramente também como negativa (busca de culpado). Quando não culpa-se a sociedade como um todo, transfere-se a "culpa" de perdas inestimáveis diretamente aos proprietários que demoliram o bem cultural, sem considerar a completa ineficácia ou inexistência de políticas de patrimônio que definam corretamente o bem como cultural, que regulamentem sua situação e intervenções, que traga punições pro caso de descumprimentos mas também benefícios e caminhos para facilitar a preservação.
De nada adianta educação patrimonial quando não há preservação (vamos ensinar o valor de algo que está sendo demolido por não ter 'valor', como explicar esse problema conceitual pra um discente?). Mas também não adianta preservar quando não há sociedade envolvida. A problemática do patrimônio não é simplória, certamente envolve uma série de fatores que precisam ser pensados em conjunto: educação, planejamento urbano, plano turístico, envolvimento social, pesquisa de suporte, formação de mão de obra capacitada pra restauração, etc. No entanto, ao final das contas tudo isso não passam de iniciativas administrativas simples, de custo irrelevante perto dos incontáveis benefícios coletivos e privados, sendo o principal deles a qualidade de vida da cidade. O patrimônio cultural pode transformar inclusive a economia de uma cidade, sendo uma segurança frente a instabilidade e os desvarios do mercado.
Determinadas situações acontecem quando existe um contexto. Um contexto insatisfatório como o geral hoje, gera apenas arruinamento, demolições legalizadas ou ilegais, ou a desqualificação de edificações históricas pela ausência de diretrizes adequadas e mesmo de possibilidades viáveis aos proprietários. Somente com a situação dos prédios de interesse histórico devidamente regulamentada, poderemos finalmente nos livrar da figura do "empresário messias" que, na sua infinita benevolência, é esperado ad aeternum para que de iniciativa própria, venha resolver problemas de interesse público!
Jorge Luís Stocker Jr.
terça-feira, 3 de abril de 2012
Pela preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campo Bom
Ajude a reforçar o apelo pela preservação do patrimônio histórico e cultural de Campo Bom (RS).
Este abaixo-assinado vem como uma forma de demonstrar a importância do patrimônio cultural, de forma a levar essa demanda a Prefeitura Municipal. A cópia para os órgãos preservacionistas vem da necessidade de que o IPHAN e IPHAE assessorem a revisão do inventário solicitada, para garantir sua qualidade e seu valor legal.
LINK PARA ASSINAR
http://www.peticaopublica.com.br/?pi=campobom
Este abaixo-assinado vem como uma forma de demonstrar a importância do patrimônio cultural, de forma a levar essa demanda a Prefeitura Municipal. A cópia para os órgãos preservacionistas vem da necessidade de que o IPHAN e IPHAE assessorem a revisão do inventário solicitada, para garantir sua qualidade e seu valor legal.
LINK PARA ASSINAR
http://www.peticaopublica.com.br/?pi=campobom
segunda-feira, 19 de março de 2012
Processo de "erosão" em prédios históricos
Parte da problemática da preservação advém do seguinte fato: os prédios históricos de uma cidade opõe-se diretamente à dinâmica da cidade contemporânea "líquida". São sólidos e pesados, construídos 'para a eternidade'. Ocupam um lugar fixo no espaço, e dotam o espaço de um significado único, através da evocação de imagens e de valores específicos. No campo oposto, a especulação intensa e a economia cada vez mais volátil determina uma constante mudança dos espaços urbanos. A qualidade da arquitetura e de suas relações com o ambiente tornam-se cada vez mais supérfluas, frente à ânsia de suprir necessidades imediatistas.
Edificações aparentemente muito modificadas após anos de "erosão", algumas vezes podem ser recuperadas com simples conserto nas fenestrações, tornando-se novamente importantes para o sítio.
A estabilidade tornou-se até mesmo indesejável, o que ajuda a explicar a crise da paisagem urbana. Nem mesmo as "grandes empresas" mantém-se fixas nesta realidade líquida: a frequente falência, reabertura, mudança de nome, de marca, de posicionamento, e consequente mudança de endereço, ilustram a necessidade de estar em movimento.
Esta realidade agride a sociedade como um todo, e ataca o patrimônio cultural de duas maneiras muito distintas, ambas com a mesma finalidade: sua erradicação. A primeira delas é a forma mais elementar de eliminação: a demolição completa para fins de especulação. Áreas e conjuntos inteiros se perdem nessa "dinâmica" de suplantar o antigo com um "novo" imediatista de péssima qualidade. A segunda forma é o lento desaparecimento, num processo que lembra muito o conceito geológico de "erosão".
Trata-se da lenta agonia pela qual alguns prédios históricos, inclusive alguns protegidos por tombamentos, vão sendo gradualmente esvaziados de seu conteúdo. Na fase final deste processo, pouco ou nada resta de "matéria autêntica", a materialidade acaba suplantada pela nova situação efêmera e desprovida de valores.
Formas de "erosão" dos valores históricos e culturais do patrimônio construído
A instabilidade contemporânea determina a constante alteração de usos em cada espaço físico da cidade, acompanhando a dinâmica volátil da economia. Desta forma, algumas edificações centenárias que desempenham a mesma função desde sua construção tornam-se obsoletas, tornando necessárias adaptações necessárias para novos usos que viabilizem sua continuidade.
Frisamos que estas modificações podem sim ser perfeitamente compatíveis com a obra original, ao manter convivência pacífica com esta, algumas vezes até mesmo adicionando novos valores. Isto porém, nem sempre acontece: Na ânsia da adaptação forçada, elementos importantes de algumas edificações são removidos ou readequados, banalizando sua qualidade.
Como exemplo, verificamos ser muito comum a adaptação para uso comercial, quando as janelas com folhas de madeira são muitas vezes substituídas por panos de vidro. Muitas vezes, são procedidas demolições parciais do bem, de forma a viabilizar a construção de novos anexos. Prejudica-se assim o 'material original' da edificação, em prol de um uso que muitas vezes mal chega a completar seis meses de uso. A sucessiva ocupação pelos diferentes tipos de uso vão depredando pouco a pouco a obra arquitetônica, de forma que ao fim do processo, muito pouco resta de interesse para preservação.
Há ainda uma das formas disfarçadas de erosão: são as intervenções recuperativas que o prédio sofre para viabilizar seu uso. Muitas vezes sem orientação técnica adequada, ou mesmo com supervisão técnica equivocada, as edificações passam por "restaurações" que, de tão agressivas, acabam prejudicando significativamente a autenticidade do bem histórico.
São exemplos comuns a alteração dos telhados capa-e-canal irregulares, substituídos por telhas industrializadas regulares, a remoção dos elementos decorativos originais e sua reconstrução, ou até mesmo casos mais graves, em que as edificações são destruídas até os alicerces e completamente reconstruídas.
Antes e depois: elemento original reconstruído de forma planificada.
Erosão Imaterial
Não apenas a materialidade do patrimônio cultural pode passar por este processo de erosão: os valores imateriais a ele agregados, que dão sentido a sua existência e continuidade, também sofrem danos que acabam por desqualificar o valor simbólico dos imóveis.
A elitização dos centros históricos, através do processo de gentrificação também opera uma forma significativa de 'erosão' dos valores imateriais. Ao eliminar as comunidades tradicionais dos locais históricos, ou alterar o conteúdo simbólico de uma edificação de uso público consagrada, vemos um completo esvaziamento dos valores culturais. Isto ocorre mesmo em casos em que se mantém de forma exemplar toda a integridade através de restauração, trazendo tanta obsolência quanto as agressões físicas.
Reconstruções e descontextualizações trazem novos significados para alguns bens, que podem ou não ser positivos.
Critérios pra intervenções
De forma alguma, nos posicionamos contra a readequação de prédios históricos, que é tão importante para assegurar sua manutenção, mas sim contra um tipo específico de intervenção que desrespeita de forma agressiva o conteúdo original da edificação, ou que causa sua descontextualização.
O que queremos abordar é justamente esta problemática entre a necessidade de readequação X o interesse para preservação.
Acreditamos que sempre deve-se partir de um inventário de patrimônio cultural, anexo a legislação municipal e que traga a correta classificação dos bens históricos em níveis de preservação diferentes. Há bens históricos que interessa manter integralmente, há outros que interessam mais por sua contribuição a paisagem urbana, sendo adequada a preservação externa. Há ainda aqueles que precisam manter-se apenas como referência volumétrica, em compatibilização a paisagem da rua ou como manutenção de determinados valores imateriais que independem de pormenores da obra arquitetônica.
Uma vez classificadas, restaria analisar caso a caso com critérios o mais rígidos possíveis. Hoje, o que vemos é que apesar de classificações existentes, praticamente todos os imóveis da cidade não tombados acabam na prática sendo tratados como nível de preservação mínimo, sendo aprovados quaisquer projetos que mantenham no mínimo apenas vagamente a volumetria.
Também julgamos necessário que durante a seleção de inventário, haja sensibilidade e coerência para selecionar não apenas o que está intacto, mas aquilo que tem potencial de recuperação, principalmente nos casos em que bens muito danificados situam-se nas imediações ou dentro de sítios históricos reconhecidos. Com restauração, podem vir a compor paisagem com os demais bens, evitando ainda a demolição e construção de alguma atrocidade.
Chegando ao entendimento da importância da preservação do patrimônio cultural, é imprescindível que se avalie se determinadas adequações mais grosseiras realmente são convenientes. Há a possibilidade que sejam ônus coletivos à paisagem urbana e à memória da cidade, em favor de um uso temporário que pode legar sequelas irrecuperáveis para o futuro.
Nos resta sugerir, também, que os sítios históricos da cidade sejam pensados sim, de forma dinâmica em sintonia com o mundo contemporâneo, como espaços vivos, mas sempre lembrando do caráter diferenciado destes espaços. Um zoneamento adequado de usos poderia incentivar a utilização adequada aos prédios históricos, com finalidades menos agressivas que possam não apenas deixar de danificar, mas utilizar a própria edificação histórica como um atrativo comercial a mais. Oportunidades não faltam pra quem busca soluções criativas.
Edificações aparentemente muito modificadas após anos de "erosão", algumas vezes podem ser recuperadas com simples conserto nas fenestrações, tornando-se novamente importantes para o sítio.
A estabilidade tornou-se até mesmo indesejável, o que ajuda a explicar a crise da paisagem urbana. Nem mesmo as "grandes empresas" mantém-se fixas nesta realidade líquida: a frequente falência, reabertura, mudança de nome, de marca, de posicionamento, e consequente mudança de endereço, ilustram a necessidade de estar em movimento.
Esta realidade agride a sociedade como um todo, e ataca o patrimônio cultural de duas maneiras muito distintas, ambas com a mesma finalidade: sua erradicação. A primeira delas é a forma mais elementar de eliminação: a demolição completa para fins de especulação. Áreas e conjuntos inteiros se perdem nessa "dinâmica" de suplantar o antigo com um "novo" imediatista de péssima qualidade. A segunda forma é o lento desaparecimento, num processo que lembra muito o conceito geológico de "erosão".
Trata-se da lenta agonia pela qual alguns prédios históricos, inclusive alguns protegidos por tombamentos, vão sendo gradualmente esvaziados de seu conteúdo. Na fase final deste processo, pouco ou nada resta de "matéria autêntica", a materialidade acaba suplantada pela nova situação efêmera e desprovida de valores.
Formas de "erosão" dos valores históricos e culturais do patrimônio construído
A instabilidade contemporânea determina a constante alteração de usos em cada espaço físico da cidade, acompanhando a dinâmica volátil da economia. Desta forma, algumas edificações centenárias que desempenham a mesma função desde sua construção tornam-se obsoletas, tornando necessárias adaptações necessárias para novos usos que viabilizem sua continuidade.
Frisamos que estas modificações podem sim ser perfeitamente compatíveis com a obra original, ao manter convivência pacífica com esta, algumas vezes até mesmo adicionando novos valores. Isto porém, nem sempre acontece: Na ânsia da adaptação forçada, elementos importantes de algumas edificações são removidos ou readequados, banalizando sua qualidade.
Como exemplo, verificamos ser muito comum a adaptação para uso comercial, quando as janelas com folhas de madeira são muitas vezes substituídas por panos de vidro. Muitas vezes, são procedidas demolições parciais do bem, de forma a viabilizar a construção de novos anexos. Prejudica-se assim o 'material original' da edificação, em prol de um uso que muitas vezes mal chega a completar seis meses de uso. A sucessiva ocupação pelos diferentes tipos de uso vão depredando pouco a pouco a obra arquitetônica, de forma que ao fim do processo, muito pouco resta de interesse para preservação.
Há ainda uma das formas disfarçadas de erosão: são as intervenções recuperativas que o prédio sofre para viabilizar seu uso. Muitas vezes sem orientação técnica adequada, ou mesmo com supervisão técnica equivocada, as edificações passam por "restaurações" que, de tão agressivas, acabam prejudicando significativamente a autenticidade do bem histórico.
São exemplos comuns a alteração dos telhados capa-e-canal irregulares, substituídos por telhas industrializadas regulares, a remoção dos elementos decorativos originais e sua reconstrução, ou até mesmo casos mais graves, em que as edificações são destruídas até os alicerces e completamente reconstruídas.
Antes e depois: elemento original reconstruído de forma planificada.
Erosão Imaterial
Não apenas a materialidade do patrimônio cultural pode passar por este processo de erosão: os valores imateriais a ele agregados, que dão sentido a sua existência e continuidade, também sofrem danos que acabam por desqualificar o valor simbólico dos imóveis.
A elitização dos centros históricos, através do processo de gentrificação também opera uma forma significativa de 'erosão' dos valores imateriais. Ao eliminar as comunidades tradicionais dos locais históricos, ou alterar o conteúdo simbólico de uma edificação de uso público consagrada, vemos um completo esvaziamento dos valores culturais. Isto ocorre mesmo em casos em que se mantém de forma exemplar toda a integridade através de restauração, trazendo tanta obsolência quanto as agressões físicas.
Reconstruções e descontextualizações trazem novos significados para alguns bens, que podem ou não ser positivos.
Critérios pra intervenções
De forma alguma, nos posicionamos contra a readequação de prédios históricos, que é tão importante para assegurar sua manutenção, mas sim contra um tipo específico de intervenção que desrespeita de forma agressiva o conteúdo original da edificação, ou que causa sua descontextualização.
O que queremos abordar é justamente esta problemática entre a necessidade de readequação X o interesse para preservação.
Acreditamos que sempre deve-se partir de um inventário de patrimônio cultural, anexo a legislação municipal e que traga a correta classificação dos bens históricos em níveis de preservação diferentes. Há bens históricos que interessa manter integralmente, há outros que interessam mais por sua contribuição a paisagem urbana, sendo adequada a preservação externa. Há ainda aqueles que precisam manter-se apenas como referência volumétrica, em compatibilização a paisagem da rua ou como manutenção de determinados valores imateriais que independem de pormenores da obra arquitetônica.
Uma vez classificadas, restaria analisar caso a caso com critérios o mais rígidos possíveis. Hoje, o que vemos é que apesar de classificações existentes, praticamente todos os imóveis da cidade não tombados acabam na prática sendo tratados como nível de preservação mínimo, sendo aprovados quaisquer projetos que mantenham no mínimo apenas vagamente a volumetria.
Também julgamos necessário que durante a seleção de inventário, haja sensibilidade e coerência para selecionar não apenas o que está intacto, mas aquilo que tem potencial de recuperação, principalmente nos casos em que bens muito danificados situam-se nas imediações ou dentro de sítios históricos reconhecidos. Com restauração, podem vir a compor paisagem com os demais bens, evitando ainda a demolição e construção de alguma atrocidade.
Chegando ao entendimento da importância da preservação do patrimônio cultural, é imprescindível que se avalie se determinadas adequações mais grosseiras realmente são convenientes. Há a possibilidade que sejam ônus coletivos à paisagem urbana e à memória da cidade, em favor de um uso temporário que pode legar sequelas irrecuperáveis para o futuro.
Nos resta sugerir, também, que os sítios históricos da cidade sejam pensados sim, de forma dinâmica em sintonia com o mundo contemporâneo, como espaços vivos, mas sempre lembrando do caráter diferenciado destes espaços. Um zoneamento adequado de usos poderia incentivar a utilização adequada aos prédios históricos, com finalidades menos agressivas que possam não apenas deixar de danificar, mas utilizar a própria edificação histórica como um atrativo comercial a mais. Oportunidades não faltam pra quem busca soluções criativas.
quarta-feira, 14 de março de 2012
Prédio velho para quê? Para quem?
Este texto foi produzido como uma colaboração para o blog Centro de Documentação do Vale do Paranhana.
Neste momento de rápida expansão dos centros urbanos e acelerado crescimento econômico e comercial, a imagem de grande parte das nossas cidades é de pujança e desenvolvimento. Prédios cada vez mais altos são erguidos, e aquelas casas centenárias, que às vezes parecem que sempre estiveram por ali, desaparecem.
Com elas, desaparece também um pouco da identidade de um povo. Muitos, ao visualizar a demolição de um casarão, espantam-se. Alguns chegam até a sentir-se pessoalmente agredidos! No geral o cidadão, mesmo o mais simples, sente que há algo errado. É um pouco da própria cidade que desaparece.
Mas por fim, muitos conformam-se. "É o progresso!", defendem alguns incautos, esquecidos de que tal tipo de ufanismo remonta à décadas e já demonstrou suas tristes consequências. Então, tudo isso "é triste, mas o que fazer?" conclui a sociedade, conformada. Esta passividade alinha-se perfeitamente a toda "deseducação" que sempre recebeu, contínua e ininterruptamente, e que leva a apenas buscar o mercado de consumo, e não a cidadania e uma vida plena.
E afinal, o que se pode fazer? Na verdade, pode-se fazer MUITO. Pode-se, através de inventário assessorado por um órgão competente, definir e levantar as edificações importantes para a cidade. Mais do que isso: a sociedade pode e deve participar deste processo, tanto provocando seu acontecimento, quanto opinando a respeito dos bens em que se enxerga e se identifica.
Mas e depois? "Quem vai pagar pra restaurar essas casas caindo aos pedaços"? Uma vez definidas as edificações importantes através dos estudos, a regulamentação local se faz imediatamente necessária. É esta regulamentação que irá gerir, caso a caso, como os problemas serão resolvidos. Fundos municipais, programas de restauração, financiamentos e projetos culturais são algumas das possibilidades, que devem ser buscadas de acordo com o problema.
Por onde começar? Por tudo! Não existe um roteiro definido. Patrimônio cultural é um conceito social, coletivo e principalmente, PLURAL. Todas as iniciativas precisam levar essa diversidade em conta.
Projetos de educação patrimonial envolvendo todos os tipos de artes, debates e conversas, fóruns de discussão, rodas de memória, são apenas algumas possibilidades de atuação da própria sociedade civil. Junto a isso, a implementação da política local de patrimônio, a intensa fiscalização por parte da comunidade aliada ao Ministério Público e embasada em toda legislação existente, a valorização acadêmica através de pesquisas, a valorização do acervo da cidade através de restaurações e projetos de novos usos...
As possibilidades, enfim, são muitas. Quem ganha é a cidade, em qualidade de vida e manutenção da sua identidade. Basta que todos saiam do comodismo, da conformação com a situação atual e falta de perspectivas, em busca de respostas para a pergunta: por onde posso começar?
Legenda das imagens:
1 - Casa demolida em Campo Bom (RS)
2 - Casa da Praça XX em São Leopoldo (RS)
3 - Centro histórico de Jaguarão (RS)
Jorge Luís Stocker Jr.
Neste momento de rápida expansão dos centros urbanos e acelerado crescimento econômico e comercial, a imagem de grande parte das nossas cidades é de pujança e desenvolvimento. Prédios cada vez mais altos são erguidos, e aquelas casas centenárias, que às vezes parecem que sempre estiveram por ali, desaparecem.
Com elas, desaparece também um pouco da identidade de um povo. Muitos, ao visualizar a demolição de um casarão, espantam-se. Alguns chegam até a sentir-se pessoalmente agredidos! No geral o cidadão, mesmo o mais simples, sente que há algo errado. É um pouco da própria cidade que desaparece.
Mas por fim, muitos conformam-se. "É o progresso!", defendem alguns incautos, esquecidos de que tal tipo de ufanismo remonta à décadas e já demonstrou suas tristes consequências. Então, tudo isso "é triste, mas o que fazer?" conclui a sociedade, conformada. Esta passividade alinha-se perfeitamente a toda "deseducação" que sempre recebeu, contínua e ininterruptamente, e que leva a apenas buscar o mercado de consumo, e não a cidadania e uma vida plena.
E afinal, o que se pode fazer? Na verdade, pode-se fazer MUITO. Pode-se, através de inventário assessorado por um órgão competente, definir e levantar as edificações importantes para a cidade. Mais do que isso: a sociedade pode e deve participar deste processo, tanto provocando seu acontecimento, quanto opinando a respeito dos bens em que se enxerga e se identifica.
Mas e depois? "Quem vai pagar pra restaurar essas casas caindo aos pedaços"? Uma vez definidas as edificações importantes através dos estudos, a regulamentação local se faz imediatamente necessária. É esta regulamentação que irá gerir, caso a caso, como os problemas serão resolvidos. Fundos municipais, programas de restauração, financiamentos e projetos culturais são algumas das possibilidades, que devem ser buscadas de acordo com o problema.
Por onde começar? Por tudo! Não existe um roteiro definido. Patrimônio cultural é um conceito social, coletivo e principalmente, PLURAL. Todas as iniciativas precisam levar essa diversidade em conta.
Projetos de educação patrimonial envolvendo todos os tipos de artes, debates e conversas, fóruns de discussão, rodas de memória, são apenas algumas possibilidades de atuação da própria sociedade civil. Junto a isso, a implementação da política local de patrimônio, a intensa fiscalização por parte da comunidade aliada ao Ministério Público e embasada em toda legislação existente, a valorização acadêmica através de pesquisas, a valorização do acervo da cidade através de restaurações e projetos de novos usos...
As possibilidades, enfim, são muitas. Quem ganha é a cidade, em qualidade de vida e manutenção da sua identidade. Basta que todos saiam do comodismo, da conformação com a situação atual e falta de perspectivas, em busca de respostas para a pergunta: por onde posso começar?
Legenda das imagens:
1 - Casa demolida em Campo Bom (RS)
2 - Casa da Praça XX em São Leopoldo (RS)
3 - Centro histórico de Jaguarão (RS)
Jorge Luís Stocker Jr.
terça-feira, 6 de março de 2012
Die Zeit - Três anos!
O blog Die Zeit completou no último dia 25 (25/02/2012) três anos de sua publicação!
Tivemos mais um ano com acréscimo de visitação: foram 11623 visitas únicas durante o último ano. Uma marca modesta, mas bastante significativa para um blog com esta temática, o que nos motiva a seguir em frente.
No último ano, expandimos nossas atividades para o twitter, como uma forma de movimentar o tema também nas redes sociais. Abordamos a problemática da preservação dos cemitérios da imigração alemã no Rio Grande do Sul, e também da destruição do patrimônio histórico arquitetônico, como no caso crítico de Campo Bom; e dos sítios históricos ainda informais, como em São Leopoldo. Também refletimos sobre a importância da qualidade da arquitetura contemporânea em centros históricos.
Promovemos um "intercâmbio cultural" apresentando as igrejas gêmeas de Kreinitz, na Alemanha, e de São Leopoldo. Comemoramos o dia do patrimônio abordando a diversidade do patrimônio cultural gaúcho. Buscamos lançar olhares sobre estilos ainda bastante desprezados enquanto patrimônio, como o Art Déco e o Estilo Missões.
Também buscamos os bons exemplos, apresentando detalhes interessantes do conjunto histórico de Jaguarão, tombado recentemente; em contraponto às manifestações como a demolição da casa da Praça XX em São Leopoldo ou a demolição de um bem histórico em Nova Hartz.
Sempre buscamos a conscientização da importância da preservação do patrimônio cultural, do seu reconhecimento pela população e poderes públicos. Felizmente, o Brasil tem uma legislação ampla e rígida para a tutela destes bens.
Infelizmente porém, o que observamos diariamente na prática é a omissão completa quanto a preservação. Uma situação em que é frequente a sobreposição de direitos individuais frente aos coletivos. Observamos o poder sendo exercido pelo mercado imobiliário em prol não da qualidade de vida e da identidade local, mas do lucro de alguns poucos.
A nossa luta, que é pelo interesse público e pela coletividade, acaba sendo recebida das formas mais adversas por quem se opõe a preservação patrimonial. Neste caso, só temos a lamentar a ausência de capacidade de diálogo de determinados agentes públicos.
Nosso agradecimento sincero a todos que nos acompanham, pelo tempo e paciência que concedem.
Obrigado!
Jorge Luís Stocker Junior.
Tivemos mais um ano com acréscimo de visitação: foram 11623 visitas únicas durante o último ano. Uma marca modesta, mas bastante significativa para um blog com esta temática, o que nos motiva a seguir em frente.
No último ano, expandimos nossas atividades para o twitter, como uma forma de movimentar o tema também nas redes sociais. Abordamos a problemática da preservação dos cemitérios da imigração alemã no Rio Grande do Sul, e também da destruição do patrimônio histórico arquitetônico, como no caso crítico de Campo Bom; e dos sítios históricos ainda informais, como em São Leopoldo. Também refletimos sobre a importância da qualidade da arquitetura contemporânea em centros históricos.
Promovemos um "intercâmbio cultural" apresentando as igrejas gêmeas de Kreinitz, na Alemanha, e de São Leopoldo. Comemoramos o dia do patrimônio abordando a diversidade do patrimônio cultural gaúcho. Buscamos lançar olhares sobre estilos ainda bastante desprezados enquanto patrimônio, como o Art Déco e o Estilo Missões.
Também buscamos os bons exemplos, apresentando detalhes interessantes do conjunto histórico de Jaguarão, tombado recentemente; em contraponto às manifestações como a demolição da casa da Praça XX em São Leopoldo ou a demolição de um bem histórico em Nova Hartz.
Sempre buscamos a conscientização da importância da preservação do patrimônio cultural, do seu reconhecimento pela população e poderes públicos. Felizmente, o Brasil tem uma legislação ampla e rígida para a tutela destes bens.
Infelizmente porém, o que observamos diariamente na prática é a omissão completa quanto a preservação. Uma situação em que é frequente a sobreposição de direitos individuais frente aos coletivos. Observamos o poder sendo exercido pelo mercado imobiliário em prol não da qualidade de vida e da identidade local, mas do lucro de alguns poucos.
A nossa luta, que é pelo interesse público e pela coletividade, acaba sendo recebida das formas mais adversas por quem se opõe a preservação patrimonial. Neste caso, só temos a lamentar a ausência de capacidade de diálogo de determinados agentes públicos.
Nosso agradecimento sincero a todos que nos acompanham, pelo tempo e paciência que concedem.
Obrigado!
Jorge Luís Stocker Junior.
terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
Encontro aberto para discussão do patrimônio cultural - Vale do Sinos
Oportunidade para discutir pessoalmente a preservação.
Poderão ser abordados os problemas enfrentados, casos e soluções de cada cidade do Vale do Sinos, frisando as possibilidades de atuação da sociedade civil.
Outros temas sugeridos são as relações com planejamento urbano, qualidade de vida, restaurações, critérios e debate das políticas de patrimônio.
O encontro acontecerá em uma casa histórica, no espaço cedido pelo artista Alexandre Reis.
Compareça!
Localização: clique aqui
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012
O risco do medíocre
Após anos de discussões, estudos, algumas perdas irreparáveis durante a polêmica do processo, eventualmente alguns sítios históricos acabam sendo finalmente tombados. Agora reconhecidos oficialmente pelo poder público como portadores dos valores culturais que determinam a necessidade de sua preservação, estes bens passam à condição de tutelados, ficando qualquer intervenção projetada para o bem e seu entorno, passível de aprovação pelos setores competentes.
As diretrizes e limitações para este tipo de intervenção não são de fácil definição. As leis de tombamento, em si, apenas determinam claramente que ficam proibidas intervenções que alterem ou impeçam a visibilidade de bens tombados. As demais orientações derivam de raciocínios mais sofisticados, e como nem tudo pode estar previsto pontualmente em lei, fica valendo o parecer do Instituto ou Comissão responsável (dependendo do nível administrativo). Os critérios mais comuns são conhecidos, pois costumam ser baseados em reconhecidas convenções internacionais, transcritas através das cartas patrimoniais.
Réplicas como as até hoje incentivadas pela legislação municipal de Santo Antônio da Patrulha em pleno sítio histórico são felizmente rejeitadas pelas convenções internacionais, seguidas pelos órgãos estadual e federal. Neste município, porém, ainda falta o primeiro passo: o tombamento do sítio histórico.
O patrimônio cultural é um conceito muito plural para ser contido em regramentos únicos e pré-definidos. Portanto, por mais que se tente definir diretrizes gerais, cada caso sempre vai ser um caso único, cada sítio histórico ou bem tombado tem suas próprias características, suas motivações para o tombamento, sua dinâmica. Por isso, a inconsequente aplicação de diretrizes simplórias para aprovação de novas construções em áreas históricas pode ser desastrosa caso ignore a peculiaridade de cada situação. E o pior: corre-se o risco de banalizar uma paisagem cultural, através da implantação de elementos estilizados e medíocres, pensados de forma ingenuamente rasa para “não agredir o conjunto”.
Nem 8, nem 80
Kunsthaus Graz, o Museu de Arte Contemporânea da cidade austríaca de Graz. Fonte: Wikipedia.
Sustentamos que casos extremos nunca são saudáveis para a integridade de um conjunto. O Kunsthaus Graz/‘Friendly Alien’ do Arq. Peter Cook, é um caso extremo, em que a arquitetura contemporânea é exagerada e gritantemente inadequada ao contexto, atraindo para si todos os olhares da paisagem. Sua qualidade arquitetônica individual pode ser bastante questionável, mas gera margem para discussão. Esta espetacularização do contemporâneo não costuma ser nosso maior problema por aqui: estamos habituados ao extremo oposto, novas construções que apresentam uma linguagem banal e despojada de qualidade. Algumas, seguindo diretrizes de fenestrações e recuos, ou até de volumetria, mas que não passam de meras construções desprovidas de sentido arquitetônico.
No caso de tombamentos a nível municipal, a coisa banaliza-se ainda mais, já que as aprovações se dão por profissionais menos habituados com o tema. É como se houvesse uma “regra oculta”, um parâmetro pelo qual alguns setores, principalmente no caso de nível municipal, seguem cegamente para aprovação de anexos e novas construções: “Branquinho, baixinho, recuadinho...”. A intenção pode até ser nobre: não sobrepor os valores do sítio histórico, não chamar a atenção, não interferir na integridade do conjunto e não agredir a originalidade do sítio. Os resultados no entanto são catastróficos.
No Rio Grande do Sul, destaca-se a quantidade de sítios históricos heterogêneos, onde a diversidade de estilos e a qualidade arquitetônica de diferentes épocas se complementam (Porto Alegre, Pelotas, Jaguarão, Hamburgo Velho, entre tantos outros exemplos). Trata-se de áreas que até então sempre caracterizaram-se por abrigar o que há de melhor na arquitetura de cada época. Não parece coerente nem compatível nestes contextos a mediocridade de uma intervenção sem traço, sem alma, sem valor.
O modernismo legou obras interessantíssimas para o centro histórico de Jaguarão (RS), como o Cine Regente. A arquitetura contemporânea também pode trazer sua contribuição, sempre que respeitar seu entorno.
Primeiramente parece importante analisar não apenas a qualidade individual de cada intervenção solicitada, mas sua real pertinência dentro do sítio histórico. Certas agressões desmedidas, maquiadas pela “neutralidade”, são implantadas em bens históricos com o intuito de abrigar áreas de apoio específicas para determinado tipo de atividade que quer se desempenhar. Algumas vezes mutilações agressivas de partes consideradas ‘menos importantes’ são aprovadas e operadas, causando uma irreversível “erosão” no valor histórico da edificação e do sítio – alterações que não somam valores, apenas danificam valores pretéritos e por fim, aquele uso previsto eera volátil e desaparece de uma semana pra outra, deixando pra trás este eterno legado de perdas.
Nos poucos casos de conjuntos homogêneos, como é o caso do Buraco do Diabo de Ivoti – RS, as intervenções tornam-se ainda mais problemáticas. Neste sítio, já existe uma divisão de lados – um lado da rua preservao conjunto prédios autênticos, todos enxaimel, e o outro apresenta sérios conflitos de compatibilidade, entre réplicas e prédios simplórios de apoio.
No entorno da Casa Schmitt-Presser, em Hamburgo Velho, as diretrizes para novas construções determinaram uma réplica volumétrica de uma casa histórica (em segundo plano na foto). Além de não harmonizar com o entorno, o prédio ainda perde em sua expressão individual, visto que as diretrizes conformaram uma "cópia piorada" de um prédio histórico, mas não cuidaram da manutenção do ritmo de fenestrações.
A qualidade individual da nova construção inserida em área histórica, é certamente um tema muito polêmico e complexo, passível de estudo caso a caso, e seria pretensioso tentar resolvê-lo aqui. Apenas deixamos o alerta do grande risco que consiste relegar uma área histórica a receber apenas novas construções vazias, desprovidas de sentido, de qualidade arquitetônica e mesmo de adequação ao entorno. Um bom projeto, que saiba tirar partido das características tradicionais da arquitetura local, das diretrizes de fenestrações e uso de materiais, que busque não se sobrepor mas também não se mostre medíocre, pode somar um novo valor ao sítio histórico, harmonizando-se com os demais valores e com a paisagem.
O risco do medíocre é tão grave que, talvez, seja tão danoso quanto o de construir reproduções, réplicas e fachadismo; erros já reconhecidos há décadas como prejudiciais. É claro que a nova arquitetura não deve se sobrepor ao entorno e desrespeitá-lo, destoando do conjunto. Mas também não podemos incentivar a mediocridade arquitetônica naquelas áreas que deveriam ser as mais densas em qualidade e valores culturais da cidade.
Jorge Luís Stocker Jr.
As diretrizes e limitações para este tipo de intervenção não são de fácil definição. As leis de tombamento, em si, apenas determinam claramente que ficam proibidas intervenções que alterem ou impeçam a visibilidade de bens tombados. As demais orientações derivam de raciocínios mais sofisticados, e como nem tudo pode estar previsto pontualmente em lei, fica valendo o parecer do Instituto ou Comissão responsável (dependendo do nível administrativo). Os critérios mais comuns são conhecidos, pois costumam ser baseados em reconhecidas convenções internacionais, transcritas através das cartas patrimoniais.
Réplicas como as até hoje incentivadas pela legislação municipal de Santo Antônio da Patrulha em pleno sítio histórico são felizmente rejeitadas pelas convenções internacionais, seguidas pelos órgãos estadual e federal. Neste município, porém, ainda falta o primeiro passo: o tombamento do sítio histórico.
O patrimônio cultural é um conceito muito plural para ser contido em regramentos únicos e pré-definidos. Portanto, por mais que se tente definir diretrizes gerais, cada caso sempre vai ser um caso único, cada sítio histórico ou bem tombado tem suas próprias características, suas motivações para o tombamento, sua dinâmica. Por isso, a inconsequente aplicação de diretrizes simplórias para aprovação de novas construções em áreas históricas pode ser desastrosa caso ignore a peculiaridade de cada situação. E o pior: corre-se o risco de banalizar uma paisagem cultural, através da implantação de elementos estilizados e medíocres, pensados de forma ingenuamente rasa para “não agredir o conjunto”.
Nem 8, nem 80
Kunsthaus Graz, o Museu de Arte Contemporânea da cidade austríaca de Graz. Fonte: Wikipedia.
Sustentamos que casos extremos nunca são saudáveis para a integridade de um conjunto. O Kunsthaus Graz/‘Friendly Alien’ do Arq. Peter Cook, é um caso extremo, em que a arquitetura contemporânea é exagerada e gritantemente inadequada ao contexto, atraindo para si todos os olhares da paisagem. Sua qualidade arquitetônica individual pode ser bastante questionável, mas gera margem para discussão. Esta espetacularização do contemporâneo não costuma ser nosso maior problema por aqui: estamos habituados ao extremo oposto, novas construções que apresentam uma linguagem banal e despojada de qualidade. Algumas, seguindo diretrizes de fenestrações e recuos, ou até de volumetria, mas que não passam de meras construções desprovidas de sentido arquitetônico.
No caso de tombamentos a nível municipal, a coisa banaliza-se ainda mais, já que as aprovações se dão por profissionais menos habituados com o tema. É como se houvesse uma “regra oculta”, um parâmetro pelo qual alguns setores, principalmente no caso de nível municipal, seguem cegamente para aprovação de anexos e novas construções: “Branquinho, baixinho, recuadinho...”. A intenção pode até ser nobre: não sobrepor os valores do sítio histórico, não chamar a atenção, não interferir na integridade do conjunto e não agredir a originalidade do sítio. Os resultados no entanto são catastróficos.
No Rio Grande do Sul, destaca-se a quantidade de sítios históricos heterogêneos, onde a diversidade de estilos e a qualidade arquitetônica de diferentes épocas se complementam (Porto Alegre, Pelotas, Jaguarão, Hamburgo Velho, entre tantos outros exemplos). Trata-se de áreas que até então sempre caracterizaram-se por abrigar o que há de melhor na arquitetura de cada época. Não parece coerente nem compatível nestes contextos a mediocridade de uma intervenção sem traço, sem alma, sem valor.
O modernismo legou obras interessantíssimas para o centro histórico de Jaguarão (RS), como o Cine Regente. A arquitetura contemporânea também pode trazer sua contribuição, sempre que respeitar seu entorno.
Primeiramente parece importante analisar não apenas a qualidade individual de cada intervenção solicitada, mas sua real pertinência dentro do sítio histórico. Certas agressões desmedidas, maquiadas pela “neutralidade”, são implantadas em bens históricos com o intuito de abrigar áreas de apoio específicas para determinado tipo de atividade que quer se desempenhar. Algumas vezes mutilações agressivas de partes consideradas ‘menos importantes’ são aprovadas e operadas, causando uma irreversível “erosão” no valor histórico da edificação e do sítio – alterações que não somam valores, apenas danificam valores pretéritos e por fim, aquele uso previsto eera volátil e desaparece de uma semana pra outra, deixando pra trás este eterno legado de perdas.
Nos poucos casos de conjuntos homogêneos, como é o caso do Buraco do Diabo de Ivoti – RS, as intervenções tornam-se ainda mais problemáticas. Neste sítio, já existe uma divisão de lados – um lado da rua preservao conjunto prédios autênticos, todos enxaimel, e o outro apresenta sérios conflitos de compatibilidade, entre réplicas e prédios simplórios de apoio.
No entorno da Casa Schmitt-Presser, em Hamburgo Velho, as diretrizes para novas construções determinaram uma réplica volumétrica de uma casa histórica (em segundo plano na foto). Além de não harmonizar com o entorno, o prédio ainda perde em sua expressão individual, visto que as diretrizes conformaram uma "cópia piorada" de um prédio histórico, mas não cuidaram da manutenção do ritmo de fenestrações.
A qualidade individual da nova construção inserida em área histórica, é certamente um tema muito polêmico e complexo, passível de estudo caso a caso, e seria pretensioso tentar resolvê-lo aqui. Apenas deixamos o alerta do grande risco que consiste relegar uma área histórica a receber apenas novas construções vazias, desprovidas de sentido, de qualidade arquitetônica e mesmo de adequação ao entorno. Um bom projeto, que saiba tirar partido das características tradicionais da arquitetura local, das diretrizes de fenestrações e uso de materiais, que busque não se sobrepor mas também não se mostre medíocre, pode somar um novo valor ao sítio histórico, harmonizando-se com os demais valores e com a paisagem.
O risco do medíocre é tão grave que, talvez, seja tão danoso quanto o de construir reproduções, réplicas e fachadismo; erros já reconhecidos há décadas como prejudiciais. É claro que a nova arquitetura não deve se sobrepor ao entorno e desrespeitá-lo, destoando do conjunto. Mas também não podemos incentivar a mediocridade arquitetônica naquelas áreas que deveriam ser as mais densas em qualidade e valores culturais da cidade.
Jorge Luís Stocker Jr.
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
Este blog está sendo processado.
Os autores deste blog estão sendo processados pela Prefeitura Municipal de Campo Bom - RS, representada através da sua Procuradora Geral.
Recebemos com surpresa no final de 2011 uma liminar relativa ao texto "Campo Bom Destrói", publicado em 07 de julho de 2011. (processo nº11100041551)
Anexa, estavam as as alegações infundadas de que teríamos invadido o site da Prefeitura e nos apoderado do lema "Campo Bom Constrói", dotado do brasão municipal, e que estaríamos nos utilizando deste brasão em proveito próprio para atividades de acadêmico e fotógrafa.
Estarrecedor é que, antes de recorrer ao Juízo, foi feito um B.O. - Boletim de Ocorrência buscando criminalizar os autores deste blog.
As alegações do pedido de liminar muito nos surpreenderam, pois além de ser completamente desnecessário "invadir" um site para copiar uma imagem institucional, é praticamente impossível imaginar como estaríamos conseguindo tirando proveito pessoal de um texto educativo, de caráter acadêmico e que visa a mobilização da comunidade pela valorização de seu legado (assunto de interesse público).
Também nos entristece que não tenha sido tentado nenhum contato pacífico anterior ao processo, oportunidade que teríamos de esclarecer a situação, as finalidades deste blog, a atuação da oscip Defender - Defesa Civil do Patrimônio Histórico, quem sabe abrindo um importante e necessário diálogo.
Felizmente, a coerência prevaleceu e a decisão da juíza que recebemos na liminar judicial cautelar solicitava apenas a retirada das imagens em que eventualmente apareciam o brasão municipal de Campo Bom, o que foi prontamente cumprido assim que recebidas as liminares. De fato, o brasão aparecia por coincidência e sem intenção ao lado da paródia que fizemos, "Campo Bom Destrói".
O vazio deixado pelo patrimônio cultural demolido, combinado com o silêncio que pretende-se impor sobre os que a este desmonte se opõe, é danoso para a identidade e auto-estima campo-bonense. O orgulho e comemoração da história autêntica não merece ser substituída por meros ufanismos políticos.
A adoção deste contraponto "Campo Bom destrói" ao conhecido lema municipal "constrói" foi um recurso visual encontrado para chamar atenção à triste situação dos bens inventariados da cidade de Campo Bom. Contrapondo as obras que, sorridente, a cidade apresenta; com os escombros de sua história que deixa derrubar. Mais do que simplesmente disparar críticas infundadas, pesquisamos por mais de três anos a situação do patrimônio neste município e verificamos que mais de 12 prédios históricos inventariados já foram completamente demolidos, sem que fossem procedidas as medidas necessárias para salvaguarda deste acervo.
O texto, difundido na internet, foi uma das formas encontradas para demonstrar que uma parte importante da identidade da cidade está indo por água abaixo, informando que existem disposições constitucionais que eventualmente estariam sendo descumpridas.
Nunca nos detivemos a uma postura de apenas reclamação: já realizamos em 2009 uma exposição fotográfica baseada em um projeto de educação patrimonial (Campo Bom: Legado Cultural) , em que foram apresentados os bens históricos do município, bem como pesquisamos, apresentamos e publicamos uma série de artigos científicos sobre a arquitetura de Campo Bom, valorizando o município em diversos eventos e congressos.
Lamentamos que a atual administração também sinta-se disposta a trazer pra si toda a "culpa" da situação. Afinal, sempre deixamos claro que trata-se de uma omissão colaborativa e cumulativa, em que a sociedade local e as sucessivas administrações não adotaram as medidas cabíveis para a preservação e tutela do patrimônio cultural inventariado. Nossos textos são e continuarão sendo uma das formas que adotamos para sensibilizar governos e sociedade para este tema tão importante quanto pouco debatido.
Se por um lado ficamos felizes em saber que representantes da administração municipal acompanham nosso blog, onde frequentemente denunciamos o histórico de descasos em diversos municípios - e infelizmente Campo Bom costuma ser um dos exemplos mais recorrentes, pela infinidade de exemplos - por outro nos causa estranhamento que a solução encontrada tenha sido um processo judicial solicitando que a matéria veiculada fosse removida.
Prédio inventariado demolido, apresentado no texto que a Administração Municipal quer tirar do ar, impedindo que a nova geração de campo bonenses possa desenvolver senso crítico a respeito da manutenção do patrimônio cultural, direito e dever constitucional.
Não é assim que se resolve problemas de gestão do patrimônio cultural. Gostaríamos muito que, pelo contrário, houvesse um diálogo saudável entre prefeitura e a sociedade civil organizada, junto aos órgãos de preservação federal e estadual, numa demonstração de boa disposição a resolver os problemas por nós apontados, pois todos sempre foram devidamente embasados na legislação vigente.
É o que continuaremos buscando, de forma pacífica como sempre agimos, contundentes naquilo que necessário, somando forças para demonstrar a importância do tema e pedindo providências a quem compete trazê-las.
Felizmente a internet dá voz e vez àqueles que, dependendo das mídias tradicionais, comprometidas com diversos outros interesses, estariam fadados ao silêncio. Estamos completando quase três anos disseminando a importância da preservação do patrimônio cultural, objetivo máximo do blog, sempre expondo os bons e os maus exemplos que forem necessários para o entendimento do tema e sua apropriação pela comunidade. Nos motivam aqueles que nos acompanham, e também outras administrações municipais que, em contato com abordagens críticas que fizemos neste blog, tiveram a maturidade de buscar soluções ou um debate mais aprofundado.
Recebemos com surpresa no final de 2011 uma liminar relativa ao texto "Campo Bom Destrói", publicado em 07 de julho de 2011. (processo nº11100041551)
Anexa, estavam as as alegações infundadas de que teríamos invadido o site da Prefeitura e nos apoderado do lema "Campo Bom Constrói", dotado do brasão municipal, e que estaríamos nos utilizando deste brasão em proveito próprio para atividades de acadêmico e fotógrafa.
Estarrecedor é que, antes de recorrer ao Juízo, foi feito um B.O. - Boletim de Ocorrência buscando criminalizar os autores deste blog.
As alegações do pedido de liminar muito nos surpreenderam, pois além de ser completamente desnecessário "invadir" um site para copiar uma imagem institucional, é praticamente impossível imaginar como estaríamos conseguindo tirando proveito pessoal de um texto educativo, de caráter acadêmico e que visa a mobilização da comunidade pela valorização de seu legado (assunto de interesse público).
Também nos entristece que não tenha sido tentado nenhum contato pacífico anterior ao processo, oportunidade que teríamos de esclarecer a situação, as finalidades deste blog, a atuação da oscip Defender - Defesa Civil do Patrimônio Histórico, quem sabe abrindo um importante e necessário diálogo.
Felizmente, a coerência prevaleceu e a decisão da juíza que recebemos na liminar judicial cautelar solicitava apenas a retirada das imagens em que eventualmente apareciam o brasão municipal de Campo Bom, o que foi prontamente cumprido assim que recebidas as liminares. De fato, o brasão aparecia por coincidência e sem intenção ao lado da paródia que fizemos, "Campo Bom Destrói".
O vazio deixado pelo patrimônio cultural demolido, combinado com o silêncio que pretende-se impor sobre os que a este desmonte se opõe, é danoso para a identidade e auto-estima campo-bonense. O orgulho e comemoração da história autêntica não merece ser substituída por meros ufanismos políticos.
A adoção deste contraponto "Campo Bom destrói" ao conhecido lema municipal "constrói" foi um recurso visual encontrado para chamar atenção à triste situação dos bens inventariados da cidade de Campo Bom. Contrapondo as obras que, sorridente, a cidade apresenta; com os escombros de sua história que deixa derrubar. Mais do que simplesmente disparar críticas infundadas, pesquisamos por mais de três anos a situação do patrimônio neste município e verificamos que mais de 12 prédios históricos inventariados já foram completamente demolidos, sem que fossem procedidas as medidas necessárias para salvaguarda deste acervo.
O texto, difundido na internet, foi uma das formas encontradas para demonstrar que uma parte importante da identidade da cidade está indo por água abaixo, informando que existem disposições constitucionais que eventualmente estariam sendo descumpridas.
Nunca nos detivemos a uma postura de apenas reclamação: já realizamos em 2009 uma exposição fotográfica baseada em um projeto de educação patrimonial (Campo Bom: Legado Cultural) , em que foram apresentados os bens históricos do município, bem como pesquisamos, apresentamos e publicamos uma série de artigos científicos sobre a arquitetura de Campo Bom, valorizando o município em diversos eventos e congressos.
Lamentamos que a atual administração também sinta-se disposta a trazer pra si toda a "culpa" da situação. Afinal, sempre deixamos claro que trata-se de uma omissão colaborativa e cumulativa, em que a sociedade local e as sucessivas administrações não adotaram as medidas cabíveis para a preservação e tutela do patrimônio cultural inventariado. Nossos textos são e continuarão sendo uma das formas que adotamos para sensibilizar governos e sociedade para este tema tão importante quanto pouco debatido.
Se por um lado ficamos felizes em saber que representantes da administração municipal acompanham nosso blog, onde frequentemente denunciamos o histórico de descasos em diversos municípios - e infelizmente Campo Bom costuma ser um dos exemplos mais recorrentes, pela infinidade de exemplos - por outro nos causa estranhamento que a solução encontrada tenha sido um processo judicial solicitando que a matéria veiculada fosse removida.
Prédio inventariado demolido, apresentado no texto que a Administração Municipal quer tirar do ar, impedindo que a nova geração de campo bonenses possa desenvolver senso crítico a respeito da manutenção do patrimônio cultural, direito e dever constitucional.
Não é assim que se resolve problemas de gestão do patrimônio cultural. Gostaríamos muito que, pelo contrário, houvesse um diálogo saudável entre prefeitura e a sociedade civil organizada, junto aos órgãos de preservação federal e estadual, numa demonstração de boa disposição a resolver os problemas por nós apontados, pois todos sempre foram devidamente embasados na legislação vigente.
É o que continuaremos buscando, de forma pacífica como sempre agimos, contundentes naquilo que necessário, somando forças para demonstrar a importância do tema e pedindo providências a quem compete trazê-las.
Felizmente a internet dá voz e vez àqueles que, dependendo das mídias tradicionais, comprometidas com diversos outros interesses, estariam fadados ao silêncio. Estamos completando quase três anos disseminando a importância da preservação do patrimônio cultural, objetivo máximo do blog, sempre expondo os bons e os maus exemplos que forem necessários para o entendimento do tema e sua apropriação pela comunidade. Nos motivam aqueles que nos acompanham, e também outras administrações municipais que, em contato com abordagens críticas que fizemos neste blog, tiveram a maturidade de buscar soluções ou um debate mais aprofundado.
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