segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Vivenciando os espaços em Jaguarão (RS)


Ponte internacional Mauá, entre Jaguarão (RS Brasil) e Rio Branco (Uruguai). (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2011)

A cidade de Jaguarão (RS) situa-se no sul do estado, e faz divisa com Rio Branco - Uruguai, limitada pelo Rio Jaguarão e conectada pela Ponte Internacional Mauá. Sua história e economia sempre esteve relacionada a sua situação fronteiriça, baseada nas guarnições militares e nas facilidades do transporte fluvial pelo rio Jaguarão. O longo período de decadência econômica, pelo qual boa parte da região sul do Estado tem passado, tem sido revertida aos poucos. Nesta cidade, um dos fatores é a proximidade com os free-shops na cidade uruguaia vizinha, para onde afluem diariamente centenas de brasileiros em busca dos preços mais acessíveis.


Conjunto histórico no centro de Jaguarão (RS). (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2011)

Esse rápido retorno dos olhares para Jaguarão acabou revelando o "tesouro esquecido" que a cidade ainda guarda: seus muitos conjuntos históricos urbanos. São mais de 800 edificações, a maior parte delas construídas no estilo eclético, distribuídas por todas as ruas de uma malha urbana em tabuleiro de xadrez. A inclusão da cidade no PAC das cidades históricas a partir de 2009 já oportunizou uma série de restaurações. O tombamento federal do IPHAN em 2011, embora tenha chegado após algumas perdas irreparáveis nos principais conjuntos, deve garantir continuidade do legado, o reconhecimento de sua heterogeneidade e a manutenção da escala horizontal destas áreas.

Embora tenha exemplares representativos de diversos períodos, a maior parte do patrimônio cultural jaguarense é relativo a segunda metade do século XIX, caracterizado pelos casarões ecléticos de porão alto. Esses casarões ainda são os elementos estruturadores da paisagem urbana de Jaguarão. Seu ritmo de fenestrações, a escala horizontalizada, e a implantação característica, ocupando o alinhamento dos lotes e criando uma continuidade de cheios e vazios, torna a paisagem urbana de Jaguarão bastante harmônica. Interessante verificar que mesmo um das edificações mais altas e significativas, o Theatro Esperança, buscava respeitar o padrão do conjunto, com a construção do volume mais alto recuado em relação à rua.


O Theatro Esperança, cujo volume principal se eleva recuado em relação à rua, mantendo a harmonia de escalas. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2011)

O assoalho dos casarões ecléticos de porão alto era construído em uma cota bastante elevada em relação ao passeio público, o que criava a necessidade de um espaço peculiar no projeto: o vestíbulo. Trata-se de um pequeno hall de entrada onde fica abrigada a escadaria que dá acesso a um patamar, no qual encontram-se três portas que dão acesso a diferentes dependências da residência.
A continuidade da utilização destes vestíbulos nos dias atuais configura uma peculiaridade muito interessante. Passeando pelas ruas, é comum encontrar muitas portas abertas, convidativas, revelando um pouco do espaço interno da edificação. É uma valiosa oportunidade de conhecer alguns aspectos dos interiores das casas, como os forros e rodaforros decorados, as pinturas murais, as escaiolas, os lustres e as portas internas esculpidas em madeira. Detalhes importantes que normalmente passam despercebidos e que são difíceis de apreciar mesmo em grandes cidades históricas, já que a arquitetura civil privada costuma ser vista apenas por seu aspecto externo.

Em Jaguarão, estes vestíbulos abertos acabam configurando um curioso caso de espaço coberto "público-privado". Funcionam como uma continuidade das calçadas, visto que estas portas abrem de frente para elas, diretamente para a rua. As campainhas, por exemplo, estão situadas geralmente na parte de dentro destes vestíbulos, e são acessadas após a subida das escadarias. Em prédios de propriedade da administração municipal, a caracterização deste espaço como de uso público é ainda mais marcante: encontramos até mesmo telefones ("orelhões") instalados nesta parte interna da residência.



Alguns vestíbulos de casarões ecléticos de porão alto em Jaguarão (RS). (fotos: Jorge Luís Stocker Jr./2011)

Desta forma, a beleza de Jaguarão é complementada pela oportunidade de apreciação e vivência de espaços interiores, o que torna a experiência de passear pelas ruas da cidade ainda mais intensa. Além da incomparável paisagem urbana característica, vivenciada através da apreciação das fachadas e das paisagens por elas constituídas, o acervo de Jaguarão ainda é peculiar por oportunizar o conhecimento do tratamento dos espaços interiores mesmo de edificações particulares.





Portas abertas em prédios ecléticos de porão alto em Jaguarão (RS). (fotos: Jorge Luís Stocker Jr./2011)

Valorizando o passado e pensando Jaguarão para o futuro


Antiga Enfermaria Militar, futuro Centro de Interpretação do Pampa - prédio tombado pelo IPHAE-RS. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2011)

Com poucas mas bem planejadas iniciativas, Jaguarão poderá vir a se tornar um importante destino para o turismo cultural no Rio Grande do Sul. O apelo do turismo de compras no município vizinho pode à primeira vista não parecer compatível com a visitação cultural, mas já mostrou-se válido para o reconhecimento da cidade. O interesse da administração pública local em promover a cultura e a valorização do patrimônio histórico do município é sem precedentes, e certamente trará bons frutos, como o futuro Centro de Interpretação do Pampa, projetado pelo escritório Brasil Arquitetura. Este poderá se tornar mais uma grande referência na arquitetura do Rio Grande do Sul, assim como tornou-se o Museu do Pão de Ilópolis, dos mesmos autores.


Mercado Público de Jaguarão (RS) - (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2011)


Estação Ferroviária de Jaguarão (RS) (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2011)

Agora que está devidamente protegido o centro histórico, além da restauração dos bens nele situados, como o Mercado Público, a cidade ainda tem pontos isolados importantes para pensar e valorizar. Não pode ser destinada ao abandono a Estação Ferroviária e seu entorno, que curiosamente não integra nenhuma das áreas de interesse cultural traçadas, e nem aparece nos roteiros culturais. Situada no limiar da malha urbana em uma área aberta que tem tanto potencial quanto risco de ser mal utilizada, precisa ser pensada com urgência. Não podemos esquecer que a especulação imobiliária foi expulsa do centro histórico pelo tombamento, mas pode ser transferida para outros locais de forma destrutiva.


A quadra em frente a orla do Rio Jaguarão encontra-se bastante degradada. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2011)
A vista da quadra que faz frente à orla da cidade, visível também a partir da ponte, encontra-se bastante danificada pela desfiguração das fachadas. Essa degradação é responsável por uma péssima primeira impressão do local, mas felizmente, é reversível. O ritmo de fenestrações pode ser recuperado, pois foi parcialmente mantido ou pode ser encontrado atrás do reboco.
De qualquer forma, Jaguarão tal como se encontra já é parada obrigatória para qualquer turista que queira vivenciar um pouco do patrimônio cultural gaúcho.

8 comentários:

  1. Belas fotos e muito interessante a informação sobre os espaços internos público/privados.
    Torço para que seu otimismo em relação à preservação do patrimônio de Jaguarão se confirme com o tempo. Parabéns!

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  2. já tinha te dito no facebook: tuas fotos me deram muita vontade de ir pra lá - já era a fim por causa das comprinhas, hehehe!

    ótimos registros, parabéns!

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  3. Muito boa a matéria, fotos e texto. Para ver um pouco mais sobre a cidade de Jaguarão, visite o blog da confraria. Indico este vídeo com a saga dos barqueiros mineradores do Rio Jaguarão:

    http://confrariadospoetasdejaguarao.blogspot.com/2011/03/barqueiro-do-jaguarao-helio-ramirezwmv.html

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  4. Muito interessante este blog, com textos baseados em pesquisa histórica e lindas fotos. E o principal: valorizando a história e a preservação das edificações históricas de nosso estado. Parabéns.
    Vou colocar um link no meu blog, que não é específico como este, mas também procura valorizar o belo.
    http://dajanelaeoutrasimagens.blogspot.com/
    Abraço,
    Helena

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  5. Matéria interessantíssima que contribui sobejamente para a divulgação do turismo cultural em Jaguarão, colhendo-se hoje frutos já plantados há bastante tempo.

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  6. Só vi hoje, mas emocionei-me. Isso porque tenho Jaguarão como minha cidade natal, apesar de não ter nascido lá, mas foi onde passei grande parte da minha infância. Lembro que, ainda criança, cruzava a ponte ao menos uma vez por semana e nunca deixei de me encantar com a beleza da arquitetura da ponte e olhava, abismada, par os casarões na cidade. Sem saber o que significavam, apenas contemplava.

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  7. Parabéns pela matéria,Jaguarão faz parte da minha história,principalmente em relação á ferrovia.
    Paulo.

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  8. Caro Jorge, boa noite!

    Meu nome é José Francisco e atuo numa entidade que trabalha com desenvolvimento social e produção cultural.

    Estou elaborando um projeto de difusão e promoção cultural para buscarmos incentivo pela Rouanet. Será um portal web.

    Como o projeto vai falar da diversidade cultural brasileira, mais precisamente do que é mais desconhecido, estou pesquisando material para ilustrar a apresentação de prospecção, e encontrei estas suas imagens.

    Gostaria de pedir sua gentileza em ceder autorização para fazermos uso da imagem da Ponte Internacional Mauá.


    Aguardo retorno, obrigado pela atenção e parabéns pelas fotos.

    abs

    Chiko
    chiko@grupocomunica.com.br

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