ATENÇÃO: ESTE ARTIGO NÃO É CONTEÚDO LIVRE E SÓ PODE SER REPRODUZIDO TOTAL OU PARCIALMENTE SOB AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DOS AUTORES.
Nestes tempos de decadência urbana, carrodependência, constantes mudanças e falta de referenciais, parar para pensar no meio urbano e na arquitetura como um legado para o futuro parece ser uma atitude cada vez menos comum.
Este “desapego” aos espaços e ao que eles podem representar é uma das conseqüências da modernidade, e reflete-se tanto na massiva demolição do patrimônio histórico, quanto na construção de edificações sem qualquer qualidade arquitetônica. Vivemos a era do “descartável”, e a cidade não escapa à regra.
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A falta de reflexão teórica sobre arquitetura e a existência de planos diretores defasados, apenas preocupados com a circulação de carros e com expansão imobiliária, intensifica a decadência urbana e visual de nossas cidades. Tudo sob o ultrapassado signo do “progresso” – que se dá às custas das sandices do mercado e a busca incessante por lucro fácil. Como um exemplo de mais acessível entendimento, está o trânsito confuso, até mesmo nas menores cidades.
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Novo Hamburgo: Bagunça na escala da cidade, em vista destacando área do centro histórico de Hamburgo Velho. Não há uma transição harmônica de limite de alturas, deixando a torre da Igreja dos Reis Magos e o Monumento à Imigração desvalorizado, e desvalorizando as próprias torres residenciais na paisagem. (Foto: Jorge Luís Stocker Jr.)
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Das demolições, surgem então exemplares de uma arquitetura completamente subordinada ao que o “mercado quer”. São prédios pretensamente funcionais, com os repetitivos grandes panos de vidro para lojas comerciais, ocupação máxima de área, revestimentos repetitivos de cerâmica, enormes placas publicitárias... Um total “não pertencimento” a nada, sem vínculos com a cidade em que se situa nem com qualquer ramificação da arquitetura contemporânea qualificada.
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Mesmo quando a intenção parece ser das melhores, vemos as conseqüências da falta de correta reflexão. Que o digam as centenas de “enxaimelóides” e “castelinhos” da Serra Gaúcha, que já contaminam as serras do restante do Brasil. Na tentativa muitas vezes inocente (e na maioria das vezes interesseira) de homenagear cultura de imigrantes, acabam por confundir tudo o que poderia valorizá-las.
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Um dos últimos chalés antigos do centro de Gramado, finalmente valorizado. Será um espaço cultural/museu. Este estilo de casa era característico da região central. Em oposição, ao lado, um dos prédios atuais. Qualquer semelhança será, sem dúvidas, apenas triste coincidência. (Fotos: Jorge Luís Stocker Jr. /2008)
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O turista da Serra Gaúcha encanta-se com o luxo e requinte europeu do centro da cidade, atribuindo tudo isso à cultura local de imigração alemã e italiana. A simplicidade do autêntico legado cultural dos imigrantes, no entanto, é descartado e vilmente demolido a cada dia. O próprio legado imaterial desaparece sem maiores registros. Enquanto isso, o que estes espaços falsificados narram aos seus turistas?
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Vejamos por exemplo o “Parque do Imigrante”, em Nova Petrópolis, que pretende-se “histórico”. E o que encontramos nele é, no mínimo, revoltante: construções centenárias em técnica enxaimel, que foram cruelmente arrancadas de seus contextos originais, no interior do município, e posteriormente reconstruídas sem uso da técnica original (basta ver os parafusos e pregos!). A construção artificial de paisagens, sem vínculo real algum, com inclusive acréscimos e mudanças no corpo das edificações, não nos parece uma boa forma de “preservar a história”, quanto menos a memória – ainda mais sabendo-se que a última vincula-se muito facilmente aos espaços.
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Desrespeito histórico com a igreja evangélica, original da localidade de Linha Araripe. A igreja foi demolida e reconstruída no Parque Aldeia do Imigrante de Nova Petrópolis, com a invenção de uma torre “enxaimel” e de uma abside, utilizando pregos ao invés dos encaixes enxaimel. (Fotos: histórica Jornal o Diario 22.04.2009 e Jorge Luís Stocker Jr./2008)
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Já no centro das cidades da Serra Gaúcha, a profusão de edifícios novos “com estilo antigo” é intensa, todos na luta incessante pela fachada mais luxuosa e/ou exagerada. Não há qualquer relação com a técnica enxaimel original, pois os prédios tem estrutura de concreto armado. Não há sequer vinculação com a estética das estruturas originalmente praticadas na região, consequentes do local de origem dos imigrantes: estes prédios evocam paisagens suíças, ou imitam edificações bávaras/blokausse, as quais originalmente sequer existiram no Brasil. Isso quando não são prédios comuns, com aplique de trama de madeira completamente desproporcionada, gerando um conflito visual terrível. O enxaimel, nestes casos, não passa de um “agregado” posterior à fachada, valendo-se da estética para vender um clima europeu, a ser consumido pelo turista.
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Típico prédio gramadense, conseqüência do consumo de paisagens artificiais pelo turismo de massas e da legislação municipal, que isenta impostos para construções deste tipo. (Foto: Jorge Luís Stocker Jr/2008)
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E o que será legado para o futuro, como retrato de nosso tempo, dos avanços construtivos ou mesmo estéticos? Sejamos razoáveis: este tipo de edificação, que falsifica uma técnica histórica de modo a reduzi-la a um adorno de fachada, tem algo a narrar às futuras gerações, além da decadência cultural e da falta de escrúpulos do mercado imobiliário? Há realmente alguma “continuidade” entre o enxaimel original (técnica construtiva síntese de elementos da cultura teuta com materiais e ambiente brasileiro), cujos últimos exemplares datam da década de 1910, e o enxaimelóide (adornos de fachada em concreto ou madeira) construído a partir dos anos 90?
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Neste mar de maus exemplos, felizmente encontramos, ao poucos, a consciência despertando. Já citamos anteriormente o Museu do Pão, de Ilópolis. Mas existem outros exemplos que, apesar de não embasados na cultura local como este, mostram uma visão diferenciada de arquitetura.
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Na cidadezinha de Alto Feliz (RS), também na Serra Gaúcha, a Vinícola Don Guerino descarta qualquer tentativa de inventar tradições ou falsas paisagens culturais. Quando muitas vinícolas empreendem a construção das suas sedes em forma de castelinhos pseudo-medievais, na tentativa de estabelecer ambientes que lembrem a tradição das vinícolas européias, a Don Guerino assume arquitetônicamente o que é de fato: uma vinícola nova, em busca de sua identidade própria.
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A vinícola Don Guerino, de Alto Feliz. Volumes puros, com boa articulação de texturas. (Foto: Jorge Luís Stocker Junior)
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O projeto do Arquiteto Daniel Palavro toma partido da linguagem contemporânea, utilizando um volume prismático alongado e horizontal. A boa distribuição dos espaços internos, refletida em uma geometria bem resolvida, reforça a qualidade estética do prédio. A articulação de volumes e de texturas é simples, mas nada simplória. O entorno, rodeado de morros verdes e dos vinhedos, emoldura perfeitamente sua existência, em contraste com as linhas retas.
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Deixemos o patrimônio histórico da região, ainda bastante significativo por sinal, contar sua história. Que, aliás, o poder público de Alto Feliz tenha a sensibilidade de inventariar as edificações, e protegê-las efetivamente, pois são determinantes para a construção da identidade derivada da cultura alemã e para o potencial turístico cultural.
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Outro ângulo do prédio da vinícola. (Foto: Jorge Luís Stocker Junior)
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E que possamos continuar construindo uma história autêntica, dando sim continuidade ao legado deixado pelo passado, mas respeitando seu limite temporal. É essencial pensar no atual como um legado para o futuro (mesmo em época de desapego espacial, pensar nesta atitude como forma de qualificar o presente): construindo uma arquitetura realmente vinculada ao nosso tempo, ao momento da arquitetura atual, sem falsificar a própria história que vivemos.
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Texto: Jorge Luís Stocker Jr.
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Observação: O texto anterior, relativo a destruição de uma casa histórica em Campo Bom foi temporariamente removido e deverá ser republicado em breve, complementado.
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VEJA TAMBÉM:
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- O bom exemplo de Ilópolis no desenvolvimento turístico – Museu do Pão;
- Vídeo de visita da ASAEC à vinícola Don Guerino.
-Site da vinícola Don Guerino.
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oi, passei pra conhecer o blog, e desejar bom fds.
ResponderExcluirbjss
aguardo sua visita :)
gostei do blog. sou uma apaixonada pelo rio grande do sul. passarei o reveillon, em Torres talvez :)
ResponderExcluirComo sempre, os interesses imobiliários por detrás de tudo...
ResponderExcluirE a nossa total falta de fixidez para se importar com o nosso (?) patrimônio.
=(
Oi! Sobre seu comentário no blog da Pobres & Nojentas, fiquei triste que tenham demolido aquela igrejinha adorável sob o shopping em São Léo. O capitalismo só deixa espaço para o passado e a memória arquitetônicas se elas geram lucro.
ResponderExcluirParabéns pelo blog.
Míriam - equipe da revista Pobres & Nojentas
Outro texto magnífico. A crítica para a arquitetura serrana é totalmente pontual! Gramado é uma cidade puramente comercial que vive de uma cultura falsa. Tudo que era da época em que a cidade ainda pertencia a Taquara foi sumariamente removido.
ResponderExcluirNo RS ainda tivemos a colonização alemã e italiana,mas o que diz da cultura nordestina copiar na cidade de Campina Grande-PB estas réplicas do passado? Há um bairro inteiro só com telhados deste tipo.Vejo uma paisagem urbana completamente fora do contexto
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