As diretrizes e limitações para este tipo de intervenção não são de fácil definição. As leis de tombamento, em si, apenas determinam claramente que ficam proibidas intervenções que alterem ou impeçam a visibilidade de bens tombados. As demais orientações derivam de raciocínios mais sofisticados, e como nem tudo pode estar previsto pontualmente em lei, fica valendo o parecer do Instituto ou Comissão responsável (dependendo do nível administrativo). Os critérios mais comuns são conhecidos, pois costumam ser baseados em reconhecidas convenções internacionais, transcritas através das cartas patrimoniais.
Réplicas como as até hoje incentivadas pela legislação municipal de Santo Antônio da Patrulha em pleno sítio histórico são felizmente rejeitadas pelas convenções internacionais, seguidas pelos órgãos estadual e federal. Neste município, porém, ainda falta o primeiro passo: o tombamento do sítio histórico.
O patrimônio cultural é um conceito muito plural para ser contido em regramentos únicos e pré-definidos. Portanto, por mais que se tente definir diretrizes gerais, cada caso sempre vai ser um caso único, cada sítio histórico ou bem tombado tem suas próprias características, suas motivações para o tombamento, sua dinâmica. Por isso, a inconsequente aplicação de diretrizes simplórias para aprovação de novas construções em áreas históricas pode ser desastrosa caso ignore a peculiaridade de cada situação. E o pior: corre-se o risco de banalizar uma paisagem cultural, através da implantação de elementos estilizados e medíocres, pensados de forma ingenuamente rasa para “não agredir o conjunto”.
Nem 8, nem 80
Kunsthaus Graz, o Museu de Arte Contemporânea da cidade austríaca de Graz. Fonte: Wikipedia.
Sustentamos que casos extremos nunca são saudáveis para a integridade de um conjunto. O Kunsthaus Graz/‘Friendly Alien’ do Arq. Peter Cook, é um caso extremo, em que a arquitetura contemporânea é exagerada e gritantemente inadequada ao contexto, atraindo para si todos os olhares da paisagem. Sua qualidade arquitetônica individual pode ser bastante questionável, mas gera margem para discussão. Esta espetacularização do contemporâneo não costuma ser nosso maior problema por aqui: estamos habituados ao extremo oposto, novas construções que apresentam uma linguagem banal e despojada de qualidade. Algumas, seguindo diretrizes de fenestrações e recuos, ou até de volumetria, mas que não passam de meras construções desprovidas de sentido arquitetônico.
No caso de tombamentos a nível municipal, a coisa banaliza-se ainda mais, já que as aprovações se dão por profissionais menos habituados com o tema. É como se houvesse uma “regra oculta”, um parâmetro pelo qual alguns setores, principalmente no caso de nível municipal, seguem cegamente para aprovação de anexos e novas construções: “Branquinho, baixinho, recuadinho...”. A intenção pode até ser nobre: não sobrepor os valores do sítio histórico, não chamar a atenção, não interferir na integridade do conjunto e não agredir a originalidade do sítio. Os resultados no entanto são catastróficos.
No Rio Grande do Sul, destaca-se a quantidade de sítios históricos heterogêneos, onde a diversidade de estilos e a qualidade arquitetônica de diferentes épocas se complementam (Porto Alegre, Pelotas, Jaguarão, Hamburgo Velho, entre tantos outros exemplos). Trata-se de áreas que até então sempre caracterizaram-se por abrigar o que há de melhor na arquitetura de cada época. Não parece coerente nem compatível nestes contextos a mediocridade de uma intervenção sem traço, sem alma, sem valor.
O modernismo legou obras interessantíssimas para o centro histórico de Jaguarão (RS), como o Cine Regente. A arquitetura contemporânea também pode trazer sua contribuição, sempre que respeitar seu entorno.
Primeiramente parece importante analisar não apenas a qualidade individual de cada intervenção solicitada, mas sua real pertinência dentro do sítio histórico. Certas agressões desmedidas, maquiadas pela “neutralidade”, são implantadas em bens históricos com o intuito de abrigar áreas de apoio específicas para determinado tipo de atividade que quer se desempenhar. Algumas vezes mutilações agressivas de partes consideradas ‘menos importantes’ são aprovadas e operadas, causando uma irreversível “erosão” no valor histórico da edificação e do sítio – alterações que não somam valores, apenas danificam valores pretéritos e por fim, aquele uso previsto eera volátil e desaparece de uma semana pra outra, deixando pra trás este eterno legado de perdas.
Nos poucos casos de conjuntos homogêneos, como é o caso do Buraco do Diabo de Ivoti – RS, as intervenções tornam-se ainda mais problemáticas. Neste sítio, já existe uma divisão de lados – um lado da rua preservao conjunto prédios autênticos, todos enxaimel, e o outro apresenta sérios conflitos de compatibilidade, entre réplicas e prédios simplórios de apoio.
No entorno da Casa Schmitt-Presser, em Hamburgo Velho, as diretrizes para novas construções determinaram uma réplica volumétrica de uma casa histórica (em segundo plano na foto). Além de não harmonizar com o entorno, o prédio ainda perde em sua expressão individual, visto que as diretrizes conformaram uma "cópia piorada" de um prédio histórico, mas não cuidaram da manutenção do ritmo de fenestrações.
A qualidade individual da nova construção inserida em área histórica, é certamente um tema muito polêmico e complexo, passível de estudo caso a caso, e seria pretensioso tentar resolvê-lo aqui. Apenas deixamos o alerta do grande risco que consiste relegar uma área histórica a receber apenas novas construções vazias, desprovidas de sentido, de qualidade arquitetônica e mesmo de adequação ao entorno. Um bom projeto, que saiba tirar partido das características tradicionais da arquitetura local, das diretrizes de fenestrações e uso de materiais, que busque não se sobrepor mas também não se mostre medíocre, pode somar um novo valor ao sítio histórico, harmonizando-se com os demais valores e com a paisagem.
O risco do medíocre é tão grave que, talvez, seja tão danoso quanto o de construir reproduções, réplicas e fachadismo; erros já reconhecidos há décadas como prejudiciais. É claro que a nova arquitetura não deve se sobrepor ao entorno e desrespeitá-lo, destoando do conjunto. Mas também não podemos incentivar a mediocridade arquitetônica naquelas áreas que deveriam ser as mais densas em qualidade e valores culturais da cidade.
Jorge Luís Stocker Jr.
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